Sapo Oscar chegou à Sapopira. Alto, bem posto, empertigado. Pomposo. Aposentado veio para morar. Falastrão, logo foi se enturmando nas rodas de lorotas da província. Não ia mal com o vernáculo. Impressionava, até. Com esse currículo e cheio de novidades de fora, esmerava-se por colocar-se acima da média. "Afinal foi o Oscar quem disse!", dizia-se. Não havia assunto para o qual ele não tivesse o maior conhecimento e a melhor idéia. Dizendo-se íntimo de grandes figuras políticas da República Federativa de Botocúndia, era comum na língua afiada do sapo convertido, coaxares do tipo: "... a respeito desse episódio preveni Juscelino por mais de uma vez...", ou ainda: "lembro-me como se fosse hoje: eu e Adhemar (de Barros) nos conhecemos na escola e jamais pensei que nossa amizade viesse a ser decisiva para todos os seus êxitos políticos. Ao apresentá-lo ao poderoso Getúlio, o baixinho puxou-me e disse no meu ouvido: você garante que esse sujeito é bom de voto, Oscar? Certa vez a conversa enveredou pela história local e falou-se de Hans Staden, alemão que andou por aqui, dizem que prisioneiro dos índios que habitavam este litoral, antes dos sapos, com direito a Cunhambebe e cocares menores.
Oscar sabia quase nada do assunto. Mas não abdicou do "trono majestático", foi no detalhe e solou: "sabem por acaso, como esse cavalheiro ganhou o nome de Hans?" Uma baita interrogação arregalou e brilhou os olhos de todos. Estatelou-lhes. Já era demais! "É simples", disse Oscar. "Aí começou a história de Sapopira. Certa época, que durou muito, o mar ficou bravio a ponto de impedir a navegação e a pesca. O alemão Fritz estava prisioneiro dos tupinambás em Bertioga. Cunhambebe mandou buscá-lo pois o homem entendia de criação de rãs e era preciso providenciar proteína para a tribo. Até então era Fritz, Fritz Staden, nome complicado demais para índio pronunciar. Com o sucesso da criação de rãs Fritz ganhou a simpatia de todos e só era chamado de Rãs. Rãs pra cá, Rãs pra lá. Rãs, Rãs, Rãs (não deu samba porque só mais tarde chegaram os africanos). Venerado, Rãs virou um deus. Voltou para a Alemanha onde sua aventura ficou conhecida. Em reconhecimento aos índios que o pouparam, mudou seu nome de Fritz para Rãs. Isso depois que regressou à Alemanha", sapecou Oscar. "Não havia como escrever Rãs no idioma dele. Foi feito um ’arranjo’ lingüístico e ficou Hans. Vejam vocês que a escrita é diferente mas a sonoridade da palavra, a mesma: Rãs = Hans, viram? E a criação cresceu tanto, tanto, que os sapos dominaram o lugar. Uniram-se aos portugueses e mataram juntos todos os índios, inaugurando Sapopira." Daí em diante ninguém mais suportou Oscar. Ou sabia demais ou era extremamente chato e mentiroso, apenas. Fato é que sentando de um lado, do outro todos se levantavam. Daí o apelido: "Gangorra". Oscar "Gangorra". Um dia deixou sapopira. Não se soube mais dele. Morre Juscelino, ex-presidente de Botocúndia. Uma revista importante estampa em duas páginas, foto da missa de sétimo dia. No primeiro banco, consternada, a família do morto ilustre. Alto, bem posto, empertigado, pomposo, entre os familiares, bem no meio, lá estava "Gangorra", o entrão, em pé, como todos os que lotavam o templo. Só não se sabe quem se levantou primeiro. Uma coisa é certa. Oscar ficou sozinho na igreja, afinal gangorra é gangorra, poxa! Nota do Editor: Pedro Paulo Teixeira Pinto é professor e ex-prefeito de Ubatuba. (Fonte: Ubatuba Víbora)
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