Você já leu Memórias Póstumas de Braz Cubas ou Dom Casmurro? Frequentemente faço essa pergunta a neófitos presunçosos ou mesmo a pessoas na plenitude de sua (de)formação que tem o brasílico hábito de querer puxar uma prosa com aqueles pedantes ares de gente cabeça, sabida e versada nas ocultas ciências dos cocurutos ocos. Rotineiramente, recebo como resposta aquele olhar enojado acompanhado duma boca boba, torcida, seguida da afirmação: “Machado de Assis! Ui!” Pois é, mas, em regra, todas essas mal fadadas almas sebosas nunca o leram com a atenção que lhe é devida e, a parca atenção que muitas das vezes lhe foi dirigida é devido à imposição de um professor da língua mátria e só. Fim de conversa. Todavia, ouso indagar sempre a estes: quem de nós, hoje, seria capaz de escrever, uma linha que fosse, com a maestria machadiana? Quem de nós maneja a língua pátria de modo similar a ele? Esses narizes torcidos frente à pedra angular de nossa literatura são um claro sintoma de nossa egolatria terminal. Em nós, a tolice atingiu píncaros tão excelsos, que imaginamos que nossa incompreensão do vocabulário utilizado por Machado (e tantos outros) coloca o nosso mísero uso do vernáculo no patamar de juízes salomônicos autorizados a dizer o que é digno ou indigno de nosso patrimônio cultural. Ora, em média, um adolescente, utiliza-se em suas comunicações diárias de aproximadamente 60 palavras. Vocábulos esses parcamente ditos e combinados, diga-se de passagem. Para piorar a cenário, o universo vocabular adulto não é muito diferente. No imaginário demente dos elementos que dão forma à nossa sociedade o amor as letras é uma excentricidade de gente metida, visto que, o brasileiro, de um modo geral, crê-se dotado de uma espécie de sabedoria infusa que dispensa-o do conhecimento dos problemas que são apresentados pela grande literatura de sua nação e, naturalmente, da literatura universal e de qualquer estudo minimamente sério. Por essas e outras, a incompreensão, nestas plagas, tornou-se sinônimo de distinta sabedoria, o auto-engano mordaz é tratado com a honrosa alcunha de mentalidade crítica e a estultice graciosa como sendo sinônimo de grande habilidade nas conversar furrecas, digo, discussões sobre temas de “grande relevância”. Só o fato de termos pessoas diplomadas que acreditam piamente que a leitura das linhas machadianas, ou de qualquer obra da grande literatura, seria uma chatice compulsória (hoje, não mais) dos idos colegiais, denota o quanto que, no Brasil, caímos a um nível infra-humano. Aliás, como nos ensina o historiador Alexandre Herculano, a ruína e a solidão dos templos, monumentos de nossa alma, denotam a nossa queda, mesmo que não a sintamos. Ora, as grandes obras da literatura de um país são um dos templos sagrados que devem ser frequentadas pia e regularmente, coisa que, infelizmente, não mais se faz e nem mesmo se deseja fazer. De fato, não sentimos e não desejamos tornarmo-nos cônscios de nossa decrepitude moral e intelectual.
Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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