De manhã, uma loucura: preparar o café, acordar as crianças, conferir cada mochila, levá-los para a escola, o trânsito que não anda, enerva, não há como estacionar, o guarda ameaça multar - fortes emoções. Uma respirada profunda, mas o dia só começou. Claro, para as que têm carro. Para as mais pobres, a situação é ainda mais difícil: talvez ainda estejam sacolejando nos ônibus, filhos numa mão e mochilas na outra, de pé, num aperto danado. Da escola algumas seguem para o trabalho; os desafios profissionais são cada vez maiores, na medida em que provaram competência para ocupar os cargos que, antes, eram só dos homens. Portanto, sem folga e adrenalina a mil: trabalhar numa longa jornada ou malhar nas academias, frequentar novos cursos, levar filhos a aulas complementares ou de línguas. Todo este conjunto de tarefas estafantes ajuda a compor o perfil da mulher moderna - esta mãe e profissional determinada, de múltiplas funções. Mas chega um momento em que é preciso parar, conferir o estado geral e refletir sobre o peso desse ritmo alucinado na sua saúde. O coração suporta tanta carga? Loucura demais não leva ao fim depressa demais? Comecemos então com esta informação: as doenças cardiovasculares em mulheres matam seis vezes mais do que o câncer de mama, por exemplo. E as brasileiras são líderes das Américas em acidente vascular cerebral (AVC): têm três vezes mais o problema que as americanas e canadenses. Entre os principais fatores de risco das mulheres estão hipertensão, colesterol, diabetes, obesidade abdominal, sedentarismo, cigarro e interação entre fumo e anticoncepcional (neste caso, a partir dos 30 anos pode causar trombose venosa e uma consequente embolia pulmonar). Para mudar esse quadro, e é possível, como sempre o melhor remédio é a prevenção; assim, procure seu médico. Deve-se levar em conta que a maioria das mulheres não tem consciência desses problemas de coração, pois concentra a preocupação nos exames ginecológicos, como os de mama e útero. Diferentes dos homens, as mulheres frequentemente não apresentam os sintomas típicos de doença cardíaca - e mesmo quando apresentam, são considerados atípicos. Em vez da dor e compressão que duram vinte minutos seguidos - um sinal de infarto nos homens -, as mulheres geralmente sentem uma angina moderada, que vem e vai. Sintomas que mais parecem azia e indigestão do que doença coronariana. Ou elas podem simplesmente se sentir cansadas ou nauseadas. A falta de sintomas "clássicos" torna difícil diagnosticar a doença coronariana para orientar a investigação. É importante que as mulheres falem com seus médicos sobre tais sintomas atípicos - podem sinalizar doença coronariana. Daí serão examinados outros fatores de risco que podem ser indicadores. Mulheres com sintomas reconhecidos devem ser classificadas, assim como aquelas com fatores de risco significativos (dislipidemia ou diabetes). Nesse caso, podem ser aconselhadas a testes complementares mesmo que não apresentem sintomas. No passado, muitos sintomas como angina eram considerados resultado de placas fixadas que limitavam o fluxo de sangue para o coração. Hoje, no entanto, essa visão tradicional está sendo contestada. Pesquisadores do estudo da Avaliação da Síndrome Isquêmica das Mulheres descobriram que em aproximadamente um terço dos casos, em quem mostra pequeno ou nenhum estreitamento, a disfunção endotelial pode ser responsável pela isquemia. Também em alguns casos a placa nas artérias das mulheres pode se acumular em um padrão homogêneo e regular - diferente da típica placa grumosa que se forma nas artérias dos homens -, que os testes padrão não detectam ou apresentam maior dificuldade para detectar. Como resultado, é importante que as mulheres que não apresentam sintomas de doença coronariana, nem mostram artérias estreitadas em um cateterismo, sejam submetidas a testes complementares para avaliar a presença ou não de doença coronariana. Mas um ponto muito relevante deve ser levado em consideração: o número de mulheres que usa pílulas anticoncepcionais cresce gradativamente. Na maioria dos casos o objetivo é evitar a gravidez indesejada, mas a falta de informação sobre o uso correto do medicamento pode comprometer sua eficácia e causar sérios danos à saúde. A combinação de hormônios sintéticos - drosperinona, etinilestradiol, estrogênio e progestágeno - com substâncias tóxicas ingeridas através do cigarro é extremamente perigosa. Os principais problemas de saúde ocorrem principalmente no sistema vascular, composto por coração, veias e artérias. Jovens fumantes têm de quatro a dez vezes mais chance de ter uma doença vascular do que as que não fumam. Logo, se buscam melhor qualidade de vida, convém repensar aquele estressante cotidiano. E largar o cigarro, claro. Nota do Editor: Américo Tângari Junior é especialista em cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia e Associação Médica Brasileira. Integra a equipe de Cardiologia no Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo.
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