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SEÇÃO
Crônicas
02/11/2012 - 15h26
Palavras ao vento
Vany Grizante
 

Leio e releio, daqui a pouco decoro. Não entendo mas decoro. “Apresenta modo de funcionamento coartado”... “volição minimamente habilitada”... “alteração na grafestesia, na morfognósia e na melocinética”. Palavras, palavras, apenas palavras, palavras ao vento. Nós gostamos de cantar essa da Cássia Eller, fica bem bonitinho quando cantamos juntas. E ela sabe toda a letra.

“Nível intelectual extremamente baixo se comparado à média esperada para sua faixa etária”. E daí? Quantos gênios não são intratáveis? Ela é doce, meiga, gentil e sem malícia. Ela é um anjo que veio me ensinar a ser humilde, a ter certeza de que os títulos não são nada ante a vida que escorre sob esse sol fascinante.

Está bem... Entendo que ela possui “baixos recursos cognitivos para enfrentamento das situações de tensão, podendo apresentar maior dificuldade em ambientes menos estruturados ou que requeiram maior exigência, sofrendo de uma maior vulnerabilidade diante de múltiplas tensões da vida cotidiana”. Mas quem não sofre? Quem consegue sair inteiro de um problema, de um estresse de que a vida nunca nos poupa? Enquanto estiver por aqui, vou estofar-lhe os cantos vivos, forrar-lhe o chão duro, pintar-lhe de azul o cinza. Se a tempestade for muito forte, a gente dá um jeito de se abraçar e admirar o brilho das gotas da chuva, esperando o trovão depois do raio que ilumina o céu. Contando um, dois, três... Explicarei a ela que, se o trovão só for ouvido depois do três, significa que o raio caiu muito, muito longe. Foi assim que venci meu medo de tempestades na infância.

Estou aqui para ela, por ela. Estou aqui e não pretendo, ou melhor - vejam bem vocês aí em cima - NÃO POSSO ir embora até que ela se fortaleça. “Pode deixar-se levar facilmente pelas influências externas, pois não consegue manter o próprio ponto de vista, referindo relevante distorção da autoimagem.” Eu não vou embora não, ela poderá contar comigo muito além do três do trovão. Ela precisa se encontrar nesse planeta, achar seu lugar de cidadã e mulher, ter voz ativa. E isso eu posso fazê-la aprender.

Pseudopraxia, prosopagnosia, memória semântica remota... Palavras, palavras, palavras ao vento. Como tantas outras que nunca usamos: aquiescência, bravata, admoestação, perscrutar... E aquelas fazem tanto significado quanto estas. Não sei se cabem aqui, agora, como laranjas demais num cesto pequeno. Uma laranja para cada um está bem, não precisamos de mais. Há uma laranjeira carregada no quintal; podemos colher diariamente nossa cota.

E é assim que gostaria de viver, dia após dia, laranja após laranja, com a palavra que tenha significado e que faça sorrir. Estou aqui para ela, por ela, não pretendo ir embora e tenho um dicionário. Aquelas palavras que eu não sei aprendo, aquelas que eu sei ensino. Ao lado dela, que me ensina diariamente - na maioria das vezes, sem palavras.


Nota do Editor: Vany Grizante (vanygriz@gmail.com) é arquiteta e escritora em São Paulo, SP. Escreve no site "Recanto das Letras" desde 2007. Publicou o livro "Abelhas sem Teto e outras crônicas" pela Editora All Print e participou da coletânea "Universo paulistano vol. II" da Editora Andross, ambos em 2010. Sua tese de mestrado sobre ambiente de trabalho na indústria encontra-se disponível para download no site: www.teses.usp.br.
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