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Opinião
25/11/2012 - 17h11
Casos Agassi x Felipão
Letícia Mary Fernandes do Amaral
 
Uma análise sobre a tributação no meio esportivo

Recentemente, ao participar de um seminário sobre Direito Tributário Internacional, em São Paulo, observei o paralelo traçado, pelos renomados expositores, entre dois clássicos e paradigmáticos cenários de planejamento tributário de imposto sobre a renda, adotados no ramo dos esportes na década passada, sendo eles: o caso André Agassi, julgado pela House of Lords (tribunal de última instância de julgamento) da Inglaterra, em 2006, e o caso Luis Felipe Scolari, julgado pelo Conselho Federal de Contribuintes do Ministério da Fazenda, em 2004.

Tal paralelo me chamou a atenção por dois especiais motivos: o primeiro, é que durante um período de estágio junto à Gray’s Inn Tax Chambers, em Londres (UK), em 2006, com o Dr. Philip Baker Q.C., tive a oportunidade de presenciar a seção de julgamento do caso Agassi, pela House of Lords, ocorrida em 17 de maio daquele ano. O segundo é que o caso Luis Felipe Scolari, ou “caso Felipão”, como ficou notoriamente conhecido, foi objeto de meu estudo para lecionar em cursos sobre Planejamento Tributário e, inclusive, para escrever, em co autoria com o tributarista Antonio Carlos Rodrigues do Amaral, o capítulo “Apontamentos sobre a desconsideração da personalidade jurídica e os serviços de natureza intelectual” do livro “Prestação de Serviços Intelectuais por Pessoas Jurídicas” (MP Editora, 2008). No entanto, jamais havia me atentado a traçar um paralelo entre ambos os casos, como apresentado durante o evento.

Procurando sanar a minha falta de “tino” jurídico, recorri ao vasto material sobre planejamento tributário internacional disponível, rememorando o conteúdo do caso Agassi e a sessão à qual estive presente há mais de seis anos. Cabe aqui resumir as razões de decisão de ambos os casos para, em seguida, analisar suas similitudes e distinções.

No primeiro caso, o tenista norte-americano André Agassi foi autuado pelo fisco inglês por não ter submetido à tributação rendimentos recebidos das empresas de produtos esportivos Nike e Head, a título de patrocínio, para disputar torneios de tênis na Inglaterra, dentre eles o de Wimbledon, nos anos de 1998 e 1999. Tais rendimentos foram tributados na empresa controlada pelo atleta, a Agassi Enterprises Inc., com a qual a Nike e a Head firmaram contratos de patrocínio. Nenhuma dessas três empresas possuía domicílio fiscal na Inglaterra nos anos objetos da autuação. Agassi, da mesma forma, não era residente inglês. Diante desses fatos, como critério de conexão com a Inglaterra, temos apenas o fato de os torneios terem lá sido realizados. Contudo, tanto a fonte dos rendimentos (sede da Nike e da Head) quanto a residência do beneficiário (sede da Agassi Enterprises Inc.) se localizavam fora da Inglaterra.

A decisão definitiva em relação ao caso, proferida por maioria pela House of Lords, foi no sentido de entender que se tratava de rendimento tributável na Inglaterra, tendo como sujeito passivo o tenista André Agassi e não sua empresa. O entendimento foi baseado no art. 556 do Ato de 1988 sobre Imposto de Renda das Pessoas Física e Jurídica (“The Income and Corporation Taxes Act 1988”), que indica que qualquer pagamento decorrente de uma atividade relevante exercida no Reino Unido por um esportista não residente no país, mesmo que seja feito a terceiro em razão da atividade do esportista, deverá ser tributado no Reino Unido.

A grande discussão era saber se tal dispositivo legal seria aplicável ao caso, tendo em vista que o art. 555 do Ato de 1988 dizia que a tributação, no caso do art. 556, teria que se dar mediante retenção do tributo pela fonte pagadora. No entanto, no caso em análise, a fonte pagadora também não era sediada no Reino Unido, o que inviabilizaria, na prática, a retenção. Assim, André Agassi entendeu que tal legislação não lhe seria aplicável. Contudo, não foi esse o entendimento da Corte, que não se prendeu às minúcias da lei e a sua praticidade, mas unicamente ao seu sentido geral, decidindo pela tributação de André Agassi.

Já no caso do técnico Luiz Felipe Scolari, o fisco federal brasileiro o autuou por entender que a contratação da sociedade L.F. Participações, na qual ele e sua esposa eram sócios quotistas, pelo clube Sociedade Esportiva Palmeiras, em 1998, para a prestação de serviços de treinamento de equipe profissional de futebol e supervisão de todas as equipes amadoras exclusivamente por ele, foi um ato simulado, visando dissimular a verdadeira contratação da pessoa física (Luiz Felipe Scolari) e, assim, deixar de recolher tributos federais devidos em razão da contratação de pessoa física e não de jurídica.

O Conselho Federal de Contribuintes do Ministério da Fazenda entendeu, por maioria de votos, que inexistiria simulação, tampouco fraude na contratação, pois a prática de contratação de jogadores de futebol e de treinadores, à época, era sempre feita por meio de pessoa jurídica e os contratantes não admitiriam a contratação do treinador de outra forma.

Assim, não se poderia entender que a atitude do contribuinte teria qualquer intuito de fraudar o fisco ou de simular negócio jurídico. Até mesmo porque nenhuma etapa da operação foi omitida do fisco, tendo sido escriturados e pagos todos os tributos devidos e cumpridas todas as obrigações acessórias decorrentes. A decisão foi no sentido de que, em que pesasse a ausência de simulação e de qualquer ilícito penal tributário (sonegação, fraude ou conluio), como a contratação se deu de forma personalíssima, exigindo o desempenho exclusivo de Luiz Felipe Scolari, os rendimentos pagos pelo clube deveriam ser considerados como tendo sido feitos à pessoa física e tributados dessa forma.

Os casos, ocorridos em período contemporâneo (1998), trouxeram uma importante discussão acerca da tributação à pessoa física ou jurídica, tendo como decisão, por ambas as cortes, que ela deveria se dar na pessoa física, tanto de Agassi quanto de Felipão. No entanto, tais casos contêm peculiaridades fáticas e legais que os tornam totalmente distintos um do outro. Isso em que pese o fato de, nos dois casos, ter inexistido desconsideração da personalidade jurídica, já que ambas as empresas foram consideradas regularmente existentes e operantes, muito embora se tenha entendido que determinados rendimentos não lhes pudesse ter sido atribuídos. É possível observar ainda que, enquanto no caso Agassi a discussão girou em torno da tributação de não-residentes - campo do direito tributário internacional - para fins da legislação inglesa, no caso Felipão a questão foi limitada à jurisdição brasileira.

Uma segunda distinção diz respeito à qualificação das operações, cabendo considerar que pouco foi discutido acerca de um planejamento tributário e de cometimento de infração penal-tributária no caso Agassi. Tais pontos, porém, constituíram o cerne da questão no caso Felipão. Uma terceira e fundamental diferença é que enquanto no caso do tenista se discutiu especificamente a aplicabilidade prática de um dispositivo legal do Reino Unido ao caso concreto, no caso do técnico brasileiro a discussão foi centrada na natureza do serviço prestado ao clube de futebol e se tal natureza era compatível com a tributação pela pessoa jurídica, ante a inexistência de dispositivo de lei específico determinando a tributação de um ou outro contribuinte.

Após essa breve análise, chego a conclusão de que realmente as distinções dos casos são tão expressivas que realmente dificultariam identificar um paralelo entre eles. Parece-me que considerá-los casos análogos com conclusões distintas entre as cortes não seria a conclusão mais correta, pois as peculiaridades fáticas e jurídicas de cada caso sequer permitem a analogia. Até mesmo porque o tratamento dado pelas cortes, em ambos os casos, foi similar, já que decidiram por tributar a pessoa física, muito embora o tenham feito mediante fundamentos jurídicos totalmente distintos.

Enfim, foi válida a revisão dos referidos casos clássicos de tributação no meio esportivo, ainda que tenha sido para concluir que, dentro dos limites de meus conceitos jurídicos, dificilmente atinaria para traçar um paralelo entre eles.


Nota do Editor: Letícia Mary Fernandes do Amaral é advogada tributarista nacional e internacional, diretora do Instituto de Governança Tributária - IGTAX, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário - IBPT, sócia da Amaral & Advogados Associados, coordenadora de livros e coautora de artigos jurídicos e estudos sobre a carga tributária brasileira.

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