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Opinião
15/02/2005 - 21h26
Arquitetura e narizes empinados
Christian Rocha
 

Quando fazia faculdade de arquitetura eram comuns as excursões para visitar obras importantes de arquitetos consagrados. Quase sempre o destino era São Paulo, que naturalmente concentra o maior número de obras de alguma relevância. O predomínio da arquitetura moderna sobre outras correntes e exemplares arquitetônicos causa estranhamento no início, mas aos poucos os poros se acostumam com a arquitetura paulista, mormente cinzenta e desprovida de vegetação significativa.

Os arquitetos Villanova Artigas, Rino Levi, Lina Bo Bardi e Paulo Mendes da Rocha coincidiam em diversos aspectos. O uso do concreto armado, os grandes vãos, as linhas rigorosamente retas, todas estas eram características muito comuns a arquitetos e obras aparentemente muito diferentes entre si. O edifício da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP), de Artigas; o Museu de Arte de São Paulo (MASP), de Lina Bo Bardi; edifícios residenciais de Paulo Mendes da Rocha; residências unifamiliares de Rino Levi: estas obras coincidiam em diversos aspectos.

À parte as semelhanças que configuravam uma escola arquitetônica - o Brutalismo, influenciado diretamente pelos ensinamentos do suíço Le Corbusier -, a arquitetura paulista deixou uma herança maldita: a ausência de árvores em seus projetos. Com raras exceções, árvores eram obstáculos que deviam ser colocados abaixo para dar lugar à imponência da linha reta, do concreto bruto e da tecnologia dos vãos livres. O MASP é o exemplo máximo desse modo de projetar. Um eco nostálgico da obra de Lina Bo Bardi pode ser ouvido no Museu Brasileiro de Escultura (MuBE), de autoria de Paulo Mendes da Rocha, construção finalizada já em plenos anos 90 mas ainda com as diretrizes que o arquiteto usava cerca de 20 ou 30 anos atrás. Nas duas obras, o paisagismo é aquilo que ele tem sido desde que a arquitetura existe: um elemento secundário, um adorno para uma arquitetura sóbria que insiste em afirmar nas entrelinhas que a maior obra humana é a tecnologia.

Mesmo os arquitetos possuidores de traço mais solto, aqueles que conseguiram ultrapassar o modernismo medíocre dos mestres europeus, cederam à arquitetura de pedestal. O Memorial da América Latina, obra do final dos anos 80, não passa de um jardim de esculturas, um lugar desafiador e infernal para qualquer ser humano: as sombras são raras, não há árvores e os edifícios se sustentam com pesados equipamentos de ar condicionado. A grande praça, que reúne os edifícios projetados por Oscar Niemeyer têm uma plasticidades interessante. Funcionam como escultura; como arquitetura, deixam a desejar. São mais um ícone de grandiloqüência do governo estadual que a construiu do que um símbolo de civilidade ou um equipamento sinceramente dedicado ao benefício público.

Talvez essas arquiteturas sejam um reflexo de nossa falta de identidade. Confusos sobre o que projetaremos e construiremos, é muito mais fácil seguir tendências e, ao mesmo tempo, esquecer aquilo que é ponto de partida para qualquer cultura nacional: o meio ambiente e o modo como o homem se relaciona com ele. Seja através da abundância - como no caso do Brasil - seja através da escassez - no caso do Japão ou do Egito -, cada fragmento de uma cultura nacional é influenciada pelo modo como o homem interage com seu ambiente.

O Brasil é um país de árvores frondosas, de espécies numerosas, em que as frutíferas produzem alimento durante quase todo o ano. Graças às árvores o Brasil tem fontes perenes de frutos e de madeira. Com boa vontade e planejamento, árvores poderiam eliminar a fome e amenizar o déficit habitacional deste país. Mas o exemplo das cidades aponta em outra direção. A arquitetura ajudou a eliminar as árvores, criou avenidas e ruas totalmente desprovidas de sombras naturais. Ao mesmo tempo em que as pessoas consideram a Mata Atlântica e a Amazônia importantes patrimônios brasileiros, as cidades crescem como se as árvores não existissem.

À pessoa comum que percebe esse estado de coisas, é suficiente plantar árvores em seu quintal, em sua rua, em seu bairro. A maioria das prefeituras brasileiras possui um viveiro de árvores, que são doadas ou vendidas a preços simbólicos. E plantar não exige muito mais do que um buraco no chão, água e restos de alimentos como adubo.

Ao arquiteto que porventura lê estas linhas, basta tornar-se bondoso com o ambiente que receberá seu projeto e pensar em duas coisas. Primeiro, a impermeabilização e a esterilização do solo causadas pela construção devem ser compensados com um projeto cuidadoso. Segundo, essa compensação inclui o plantio de árvores, preferencialmente frutíferas. Não se trata de fazer um bem à "Mãe Natureza", como gostam de dizer e ouvir os mais fanáticos, mas apenas de perceber que os maiores prejuízos e os maiores benefícios de uma arquitetura ignorante em relação às variáveis ambientais fatalmente recairá sobre seus usuários.

Não é necessário tornar-se militante do Greenpeace para perceber a importância de se ter uma árvore diante de sua casa. Num dia quente, não há nada mais reconfortante do que uma sombra de uma árvore. E em épocas muito frias, espécies bem escolhidas dispensarão suas folhas e permitirão que a luz do sol aqueça sua casa.

É necessário, como eu disse antes, bondade. Bondade e humildade: virtudes necessárias para um arquiteto baixar o nariz e perceber que há coisas maiores do que a arquitetura.


Nota do Editor: Christian Rocha vive em Ilhabela, é arquiteto por formação, aikidoka por paixão e escritor por vocação. Seu "saite" é o Christian Rocha.
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