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“Qual é a graça de ser tão evidente assim?”, perguntou-se silenciosamente Diego Grande, depois de ler o antigo texto sobre Adams Óbvio, enviado por e-mail por um colega da agência acompanhado da lacônica mensagem “você precisa ver isso”. Diego leu e não gostou nem um pouco. Afinal de contas, ele tinha como modelo os publicitários galácticos, hiperpremiados com tantos leões de Cannes que suas salas mais pareciam a savana africana. Adams Óbvio era o oposto disso tudo, um sujeito que fugia do glamour da profissão e das piruetas na criação para privilegiar a busca do que estava na cara de todo mundo e ninguém ainda vira. Ou seja, o óbvio. Depois de 3 anos trabalhando na A seu serviço, uma agência de estratégias digitais e design de serviços, Diego chegara a uma conclusão: adorava os colegas, o ambiente e principalmente os torneios de truco na hora do almoço, dos quais invariavelmente sagrava-se vice-campeão, mas achava que faltava ambição à empresa. Faltava sonhar mais alto. Faltava inclusive fazer workshops de criação de peças fantasmas para festivais internacionais, coisa comum nas agências onde seus amigos trabalhavam, todos eles celebrados no meio publicitário como excelentes profissionais, mesmo que tivessem bolado soluções para briefings nunca existentes (mas quem é que liga mesmo?, pensava). “Diego, a reunião vai começar”, chamou o atendimento. “O seu Oliveira já está aí”. Rapidamente, ele saiu de seus pensamentos distantes, fechou o link do texto sobre Adams Óbvio, pegou o Macbook e dirigiu-se à sala principal, confiante na estratégia cheia de malabarismos e trocadilhos engraçadinhos que havia feito. “O cliente vai a-mar essas ideias. Elas serão o meu passaporte para a glória. Certamente amanhã serei promovido a diretor de criação. E logo serei disputado a preço de ouro pelas maiores agências do mundo.”, matutava, enquanto se encaminhava para a reunião. Finda a apresentação, o seu Oliveira não apenas havia odiado o que Diego Grande apresentara como deixou a sala apressadamente, disparando frases no jargão anglo-português tão querido no meio publicitário, para ter certeza de que se faria compreender: “está fora do briefing”, “faltou brainstorming”, “não mirou no target”, “tem que mudar o approach” e, o que mais doeu, “ficou uma bela de uma shit”. Quando todos saíram, Diego continuou sentado por um tempo, pensando no que havia dado errado. Repassou a estratégia de design de serviços e continuou a achá-la perfeita: “Vamos lá... O cliente precisava de uma solução para o atendimento online de seu pet shop e eu propus tudo o que ele jamais poderia sonhar: portal na internet, fan page no Facebook, joguinho mobile para cães e, pra coroar tudo, uma revolucionária página no Tumblr com interface simplificada onde os próprios gatinhos poderiam postar suas fotos. Ele seria conhecido em todo o meio publicitário internacional, não consigo entender por que não gostou. Esses clientes só pensam no próprio negócio...”. Nesse momento, notou um par de óculos esquecido em cima da mesa. Olhou bem e reconheceu-o como sendo do seu Oliveira. Pensou em jogá-lo pela janela do 13º andar, tamanha a raiva e a frustração que sentia, mas decidiu colocá-los para debochar privadamente daquele que não tivera a capacidade de compreender suas incríveis ideias. Diego divertia-se imitando os trejeitos do sujeito, e decidiu reapresentar as ações que mostrara há pouco, fazendo ao mesmo tempo o próprio papel e o do cliente. - Seu Oliveira, eis as minhas ideias. Colocava os óculos para continuar a encenação. - Senhor Diego, a estratégia está fora do briefing. E os tirava sempre que reassumia sua própria persona. - Mas seu Oliveira, o pet shop vai virar referência mundial. - Senhor Diego, acho que o senhor não entendeu qual é nosso target. - Seu Oliveira, vamos ganhar Cannes! Cannes, entende? - Senhor Diego, não quero Cannes, quero cães entrando na minha loja. E caía na gargalhada sozinho e histericamente. Até que, de tanto fazer o papel de cliente, Diego Grande sem querer sentiu-se na sua pele do seu Oliveira. O clique aconteceu quando esquecera de tirar os óculos ao olhar para a própria estratégia. Analisou-a com os olhos do cliente e percebeu que havia algo errado. Arrancou então os óculos do rosto, olhou novamente para ela e achou que era bobagem, tudo estava bem, suas ideias eram ótimas. Então os colocou mais uma vez e teve definitivamente a cristalina certeza de que havia dado um tiro de canhão pra matar um mosquito. E o pior: havia errado o mosquito! Nesse momento, num raro impulso de humildade, sacou seu smartphone última geração e mandou um recado ao seu Oliveira: “Troco seus óculos por 15 minutos de conversa amanhã pela manhã”. Sem muita escolha, afinal precisaria voltar à agência para buscar o acessório esquecido, ele topou o encontro, “desde que não exceda esses 15 minutos nem por um segundo”, frisou. No dia seguinte, Diego levou o seu Oliveira para tomar um café na copa da agência, afirmando ser o tempo de que ele necessitava. Antes que este pudesse dizer qualquer coisa, Diego começou o breve discurso. “Sabe, grande parte dessa gente que trabalha em agência tem dois problemas sérios, e eu me incluo - ou incluía - nesse grupo. O primeiro problema é não tentar enxergar o problema através da ótica do cliente e, principalmente, do cliente do cliente, que é o público final”, disse, enquanto o seu Oliveira arregalava os olhos com interesse. “E o segundo é não conseguir superar o próprio ego e admitir que o óbvio é muitas vezes a melhor solução, pois as ideias mirabolantes normalmente não satisfazem ninguém além do júri dos grandes festivais de propaganda.” Seu Oliveira parecia não acreditar no que ouvia. Parecia que finalmente ele e a A seu serviço estavam falando a mesma língua. - E qual seria a solução pro meu problema, caro Diego? - Calma aí, seu Oliveira, também não é assim. Design de serviços é coisa séria. - Design de quê? - De serviços, o que estamos fazendo para a sua loja, pensando em como melhorar um serviço que você oferece. É por isso que precisamos conversar muito mais. Aliás, seria bom se eu fosse até o seu estabelecimento conhecer a sua estrutura, ver como vocês trabalham, esse tipo de coisa. Encontrar o óbvio é uma tarefa das mais difíceis, exige trabalho duro! - Pois então vamos agora, te convido pra almoçar. - Mas não vai me servir aquela comida pra cachorro, né? - Olha, com um pouco de molho de tomate é até bom. E assim Diego e o seu Oliveira saíram sorrindo da agência, com a certeza de que começavam a se entender. - Antes que eu me esqueça, seu Oliveira, posso ficar com seus óculos? - Mas pra quê...? Vai, pode ficar. Nota do Editor: Daniel Cariello é Estrategista de conteúdo da Talk Interactive.
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