"A essa altura o cabaré em polvorosa já tinha um cheiro de cadáver se espalhando" - (Miguel Gustavo e Moreira da Silva, em "O rei do gatilho")
Nesse clássico da música brasileira é contada a história de Kid Morengueira, herói de Wichita, em seu duelo com o bandido que infelicitava a vida da amiga Mary. Canta Morengueira que foram dados tantos tiros no saloon que até hoje ninguém sabe quem morreu: "Eu garanto que foi ele; ele garante que fui eu". Pois na recente eleição da Mesa da Câmara de Deputados aconteceu coisa parecida. Armou-se confusão tão grande que até hoje ninguém sabe quem perdeu. Luiz Eduardo Greenhalgh garante que foi o governo. O governo garante que foi o PT. E o PT garante que foi Greenhalgh. Fechou-se o círculo. Vamos acabar convencidos de que ninguém perdeu, de que não há cheiro de cadáver se espalhando e de que nós é que entendemos tudo errado. Afinal, para quem foi o telegrama da Mary? Eu acho que foi para o Severino. Leva mais jeito. Greenhalgh tem pose e sobrenome de arcebispo primaz da Igreja Anglicana, do tipo que só estende a mão se for para oferecer o anel ao beijo dos fiéis. Virgílio Guimarães era a tentativa petista de levar dois candidatos do partido ao segundo turno. No fundo, produto da mesma presunção que impôs o candidato oficial, imaginando que o saloon da Câmara seja povoado por um bando de tolos incapazes de perceber a manobra. Contados os cartuchos vazios, as vozes petistas passaram a denunciar uma coligação da direita com o corporativismo. Como se o PT não fosse manifestação desse mesmo fenômeno. Não instalou ele o governo com 35 ministérios para atender as demandas da base por cargos? Não criou mais de três mil postos de confiança com o mesmo intuito? Não usa nem abusa de mordomias e nepotismos? A despeito disso, o governo Lula se exibe como a mais alta expressão do desapego por qualquer vantagem material e, seus candidatos, como representantes dos interesses dos pobres e oprimidos. Enquanto isso, o tosco Severino, pernambucano dos grotões, que passa a disputar com o conterrâneo presidente o torneio das agressões ao vernáculo, tornou-se, para efeitos externos, porta-voz da direita. Querem me enlouquecer. Alto clero alinhado com a esquerda. Baixo clero perfilado com a direita. Nenhum jornalista capaz de farejar uma rebelião que somou 300 votos. Só no Brasil, mesmo. E o Lula, perguntarão os leitores? Ora, deixem-no fora disso. Ele garante que o médico o aconselhou a não meter em encrenca o recém operado nariz. Tal como no samba, isso "tem um final, mas é impróprio e eu não digo". Nota do Editor: Percival Puggina é arquiteto, político, escritor e presidente da Fundação Tarso Dutra de Estudos Políticos e Administração Pública.
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