Sabe de uma coisa? De repente me deu uma coisa esquisita e comecei a escrever. Pensei primeiro em escrever qualquer coisa, mas, aos poucos, compreendi que a coisa era mais séria do que eu pensava, e que devia procurar alguma coisa importante para abordar. Para ganhar tempo, enquanto decidia sobre que coisa falar, comecei pensando em quanta coisa a gente precisa para viver. Ou pelo menos pensa que precisa. Coisas grandes, pequenas coisas; coisas rasas, coisas profundas, coisas à tôa, coisas agradáveis, coisas frágeis, coisas robustas... Na prateleira do dia a dia temos, lado a lado, coisas úteis e coisas fúteis; coisas reais e coisas imaginárias. As que guardamos com pudor chamamos de coisas íntimas. Pior é quando a coisa ta feia, não é mesmo? Tudo dá errado e parece coisa feita. Quando eu era menino, fazia uma besteira e logo aparecia alguém para me absolver: "é coisa de criança!". Hoje a coisa é diferente. Não chego ao acinte do comentário racista de que a coisa ta preta, mas admito que fácil a coisa não está. É coisa de extremos mesmo. Quando foge aos padrões, viola regras e ultrapassa limites, a coisa é logo rotulada de coisa de louco. Coisa que não deve levar nenhum caráter pejorativo, porque quando a gente quer dizer que determinada coisa é muito boa, logo diz que é uma coisa louca. Por outro lado, quando a coisa se submete a tudo sem reclamar, transforma-se numa coisa sem graça, coisa insossa. Lembro bem que gostava muito de uma tia que tinha uma coisa especial comigo. Coisa de pele, entende? Só me chamava de "coisa linda!". Era ou não era uma coisa fofa? Recordo do amiguinho de infância que topava qualquer coisa. Naquele tempo, a coisa mais importante era brincar. Da namoradinha com quem a coisa esquentou pela primeira vez. Era beijo na boca e mão na coisa. Aos pouquinhos fui percebendo que tinha muita coisa para dizer. Coisas minhas, do meu interior. Uma delas é a descrença nos políticos por causa de seu eterno desprezo pela coisa pública. Isso, de fato, me parece coisa do diabo. Dar asas a quem só pensa em dinheiro e não pretende fazer coisíssima nenhuma por ninguém. Aliás, quero aqui deixar uma coisa bem clara: prepotência e arrogância são duas coisas com as quais não consigo conviver. Pra mim não passam de coisas boçais. Pra competir com essas duas coisas no terreno da incivilidade, só mesmo a corrupção, coisa reles. Que coisa feia! O prepotente acha que está acima de qualquer coisa e, de tanto sonhar com o poder, acaba sem falar coisa com coisa. Vai parar num hospício, ou coisa pior. Não existe mesmo essa coisa de unanimidade. O mundo está dividido entre pessimistas e otimistas. Os primeiros acham que a coisa vai piorar. Já os outros acreditam que a coisa tende a se recuperar, ganhar fôlego e se transformar numa coisa palpável, coisa concreta. Chega de coisas abstratas!, ouvi alguém dizer outro dia. Melhor mesmo é colocar cada coisa no seu devido lugar. Coisa de arrumação, de manejo. Tornar a coisa prática para não se atrapalhar com tanta coisa espalhada. Tem gente que até hoje acha que as coisas caem do céu, mas é claro que não é bem assim que a coisa funciona. Há os religiosos, aqueles que lidam com as coisas do além, coisas espirituais. Os que professam coisas sagradas ou coisas profanas. E os que pegam pesado e mexem com coisas sobrenaturais. A isso chamamos, na intimidade de nosso receio, de "coisa do outro mundo". Uma coisa é você falar da coisa. Discutir a coisa, amigo, já é uma outra coisa. Outro dia conheci um velho arquivista, um sujeito que passou a vida inteira botando cada coisa no seu lugar. Pode existir coisa mais sem graça? Tem algum tempo, entrei numa linha cruzada em que uma pessoa dizia coisas cabeludérrimas para outra. Coisas chulas, de baixo calão mesmo. Tinha coisas das quais nunca ouvira falar, e olha que neste tipo de coisa sou versado. Sempre é tempo para uma coisa surpreender você. Acho interessante imaginar que as coisas se completam, interagem e são solidárias. Ou você nunca ouviu dizer que uma coisa leva à outra? Algumas coisas estão envoltas em mistério. Este é o tipo de coisa que um detetive, amigo meu, gosta de enfrentar. O cara tem faro de perdigueiro e logo desvenda a coisa sem muito esforço. Garante que não tem mesmo dificuldade: "Quem entende do riscado não leva muito tempo para pôr as coisas em pratos limpos", explica. Para falar a verdade, comecei a escrever porque acho que alguém precisa fazer alguma coisa boa de fato por esta gente que não tem coisa nenhuma, nunca teve. Por favor, não me venha com a desculpa de que isso é coisa para o governo resolver e você não tem coisa alguma a ver com isso. Se você não pode ajudar com coisas materiais, faça outra coisa qualquer. Tente um trabalho voluntário que, aliás, é coisa que está na moda, coisa chique. Pode começar abrindo os olhos de quem está à beira de cair numa esparrela como essa de qualquer coisa custar 1 real. É cinema a 1 real, comida a 1 real e o futebol a 1 real do casal na irreal. Coisa mais besta, né não? Dito isso, quero deixar bem claro uma coisa: aqui falei de tanta coisa que me cansei dessa coisa toda. Mas, pode deixar. Prometo arranjar outra coisa pra fazer. Aliás, lá em casa não se fala em outra coisa: é preciso levar a coisa adiante com determinação, mas sem perder a ternura jamais, coisa que Guevara nos ensinou e pela qual morreu. Acreditamos que só assim a coisa vai mudar de figura, tornar-se de verdade uma coisa igualitária, coisa de Primeiro Mundo. Confesso que me espanto ao perceber como levei esta coisa tão longe. Falei, falei, falei, mesmo sabendo que tem gente que vai achar tudo isso uma coisa absolutamente inútil. Gente como meu vizinho esnobe, que não diz coisa, fala "chose" com sotaque e caprichando no biquinho. Sei não, camarada. Isso parece coisa de boiola. De toda a forma, acho que pelo menos posso ter dado início a um debate sobre este tipo de coisa. Coisa de intelectual. De agora em diante muita gente vai passar a ver a coisa de modo diferente. E, pode ter certeza, ninguém vai querer cair no ridículo de dizer que a única coisa líquida e certa é a cerveja gelada no bar da esquina. Meu único temor é que isso se transforme numa coisa sem fim, coisa ilimitada. Para falar a verdade, desde que comecei não tenho feito outra coisa. Tornou-se uma coisa obsessiva, coisa compulsiva. A coisa chegou a tal ponto que minha mulher já me chamou a atenção: "É melhor parar com essa coisa. Isso já está se tornando uma coisa doentia!". E o pior é que ela sempre tem razão. Mesmo quando diz coisas que não têm lógica, acerta usando seu sexto sentido. Coisa de mulher. Falando sério, se alguém puder me ajudar, por favor, me diga como parar com essa coisa. Admito que a coisa está fora de controle, e uma coisa descontrolada é uma coisa perigosa, coisa nociva. Juro por tudo quanto é mais sagrado, camarada, que desse tipo de coisa eu quero mais é distância. Nota do Editor: Victor Dawes Abramo é Diretor da M.A.R. Assessoria de Imprensa, de Niterói, e editor da revista TN Projetos Sociais, publicação trimestral do Grupo TN Petróleo.
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