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Crônicas
25/02/2005 - 16h16
Chuva na calçada
Chico Guil - Agência Carta Maior
 

Parecem bainhas de sementes se partindo, essas gotas caindo na calçada. Uma única nuvem cinzenta tapa o céu, e talvez por isso a chuva vem sem estrondos. Uma nuvem não pode brigar consigo mesma, lançando relâmpagos e trovejando, como quando se encontram os ventos do norte e do sul e fazem nas alturas um verdadeiro campo de guerra.

Durante a adolescência, meu irmão Dimas costumava botar uma lata vazia sob a goteira, ao lado da janela do nosso quarto. Na época não tínhamos rádio, nem TV, e a cantilena da latinha embalava nosso sono. Os sonhos nos levavam às grandes florestas à caça de ursos e outros animais ferozes.

Minha irmã Verginia tinha outras idéias sobre a chuva. No dia em que lhe pedi para fazer uma redação - uma espécie de tarefa escolar que eu nunca tinha visto, nem fazia idéia de como procedê-la - Verginia criou uma pequena obra de arte, que ainda hoje canta em meus ouvidos, a cantiga da chuva sob a janela, a água corrente sobre a calçada, os pequenos córregos que se avolumam e nas ruas, formando riachos, rios, oceanos. Os sapos se alegram, os pássaros molhados procuram abrigo, um pedestre se esconde debaixo de uma árvore, as plantas absorvem o frescor da água renovada e se enverdecem.

Nunca contei para ninguém, mas foi a partir dali que comecei a escrever. Verginia abriu-me o universo da expressão escrita. Desde então, tudo que eu não sabia falar com a boca, falava com a caneta. Produzi volumosos diários de minhas experiências adolescentes, que foram se perdendo com o passar dos anos, restando somente os mais recentes.

Mas a principal responsável pela minha entrada no mundo da literatura foi Dona Gecy, nossa professora de português. Ela criou um método bastante prático para incentivar nossa escritura. Primeiro, dividiu a turma em grupos. A cada semana, sugeria dois títulos de redação, e os grupos podiam escolher o tema de sua preferência. Toda sexta-feira os alunos se dirigiam à frente da sala para ler a redação da semana. Após a leitura, era escolhida democraticamente a melhor redação de cada grupo. O aluno vencedor recebia um "visto" da professora, e quem juntasse, ao fim do bimestre, quatro vistos, tinha o acréscimo de um ponto no boletim.

Dona Gecy, nossa mestra antiga, lembro dela esfregando as mãos nas manhãs de inverno, chupando bala de hortelã para desemperrar a voz. Vinte anos antes de iniciarem esse belo discurso de que os estudantes devem ler livros, ela criou um método eficaz para garantir a leitura de seus alunos. Adotou, para cada série, um livro da coleção Vagalume, que era lido durante o ano. Pode-se dizer que era pouco, um livro por ano, mas era suficiente para nos mostrar o fascínio da literatura. Nas quintas-feiras passávamos a aula comentando os episódios de Coração de Onça, Éramos Seis, O Escaravelho do Diabo, A Ilha do Pirata, histórias que ainda permanecem vivas em minha memória.

A beleza das coisas vividas por outros, em todos os lugares do mundo, as pequenas descobertas pessoais, as aventuras fantásticas que nascem no imaginário de uns doidos varridos e que nos põem a sonhar junto com eles, essas são as dádivas da literatura. A chuva, para mim, tem significados tão diversos daqueles experimentados pelo norueguês, espanhol, tailandês, que vêem o mesmo fenômeno com outros olhos! Desprezar esse mundo extraordinário que se faz pela literatura, é perder uma das fatias mais ricas da vida. As imagens prontas do cinema, TV e videogames não chegam aos pés dos maravilhosos insights produzidos pela leitura daqueles velhos alfarrábios, que se tornam cada vez mais velhos nas prateleiras empoeiradas das bibliotecas.

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