Segundo a teoria política clássica que foi elaborada nos séculos XVII e XVIII, o Estado deve ser dividido em três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário, cabendo ao primeiro administrar e executar as leis, ao segundo criar as leis e ao terceiro julgar as controvérsias em face da lei. Entretanto, essa divisão vem sendo destruída aos poucos, por meio da ação do Judiciário. A esquerda brasileira, ao se deparar com grandes dificuldades para fazer avançar suas propostas progressistas no Congresso Nacional tem usado o Judiciário para implementar sua agenda reformista, no que tem sido ajudada por alguns juízes ativistas. O caso mais emblemático disso é o aborto de anencéfalos. O aborto no Brasil é crime, com exceção de dois casos: o chamado aborto necessário, quando a vida da gestante corre risco e o aborto sentimental, que é aquele em que a gravidez é resultado de um estupro. As exceções são fáceis de serem entendidas e encontram-se no artigo 128 do Código Penal. Ademais, como qualquer neófito em estudos jurídicos sabe, exceções devem ser interpretadas restritivamente, ou seja, exceções não podem ser aplicadas em hipóteses diferentes daquelas que estão previstas. A única coisa que se pode fazer no caso é editar uma lei, obviamente discutida e votada no Congresso Nacional, que crie outra exceção. Apesar disso, foi interposta no Supremo Tribunal Federal uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) na qual a CNTS (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde) pede ao tribunal que legalize o aborto de anencéfalos. A ação continha um pedido liminar que, felizmente, foi negado, mas a expectativa que se tem é que o julgamento do mérito seja favorável aos defensores do aborto de anencéfalos. Isso mesmo depois de o Procurador-Geral da República ter dado parecer contrário ao aborto de anencéfalos com o argumento, correto, de que não é competência do STF alterar o Código Penal. Todavia, o aborto de anencéfalos não é um caso isolado. Enquanto o projeto de lei que cria a união civil entre homossexuais está parado no Congresso, casos de ações judiciais pedindo o reconhecimento legal desse tipo de relação aumentam a cada dia. Uma dessas ações foi a interposta pelo procurador da República em Taubaté, João Gilberto Gonçalves Filho, na qual foi pedida liminarmente a liberação do casamento entre homossexuais no país. Felizmente, o juiz foi sensato o suficiente para negar a liminar alegando não ser "conveniente, pelas conseqüências à ordem moral e à própria segurança jurídica, que se autorize liminarmente o polêmico casamento entre pessoas do mesmo sexo". A mesma sensatez que não teve um juiz do Rio Grande do Sul, que decidiu que uma união de cinco anos entre homossexuais constitui, juridicamente, uma união estável. Isso mesmo com o terceiro parágrafo do artigo 226 da Constituição, estatuindo claramente que "é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher". O juiz alegou ter julgado por analogia, o que causa mais estranheza ainda, já que a analogia possível no caso, a com o casamento, também não encontra base jurídica, já que o Código Civil estabelece no artigo 1514 que o casamento se realiza no momento que o homem e a mulher manifestam a vontade de estabelecer vínculo conjugal perante o juiz. Mudar a Constituição e as leis por meio do Judiciário, e muitas vezes contra a vontade do povo e do Legislativo, não é exclusividade do Brasil, muito pelo contrário. Nos Estados Unidos os esquerdistas usam o Judiciário para implantar suas reformas há mais de três décadas. Exemplo disso é a legalização do aborto pela Suprema Corte americana em 1973, num julgamento que até hoje causa controvérsias. Outro exemplo é a legalização (temporária) do casamento entre homossexuais em algumas cidades e estados por meio de liminares (que rapidamente eram derrubadas). O ativismo judiciário americano é assunto de um livro recém-lançado nos Estados Unidos, "Men in Black: How the Supreme Court Is Destroying America" (Homens de Preto: Como a Suprema Corte está destruindo os Estados Unidos). Infelizmente, parece que, enquanto o ativismo judiciário começa a ser combatido nos EUA, aqui ele ainda está começando e ainda fará muitos estragos.
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