"De outro lado, a palavra ’ética’ vinha mesmo a calhar, porque muitos dos intelectuais envolvidos na campanha haviam se tornado, nos anos que se seguiram à derrota da guerrilha, leitores e devotos do teórico da ’revolução cultural’, Antonio Gramsci, o qual nos planos que delineia para a tomada do poder pelos comunistas, destaca uma tese que denomina de implantação do ’Estado ético’. (...) Mas, diz Göethe, quando a gente não sabe o que fazer, uma palavra é como uma tábua para o naufrago". - (Olavo de Carvalho, "O Jardim das Aflições") Diz-se que em março de 1969, o então presidente do Senado e dirigente do Partido Socialista, Salvador Allende - que no ano seguinte seria eleito, pelo Congresso, presidente da República - recomendou ao Ministro do Interior a leitura da obra de Lênin "O Estado e a Revolução", expressando que ali aparecia a interpretação sustentada por eles, os marxistas, sobre o governo, o Estado e a sociedade burguesa.
É conveniente resumir os principais conceitos leninistas contidos nesse livro, em benefício do vasto setor da jovem opinião pública que não viveu os chamados "anos de chumbo" dos anos 60 e 70 no Brasil e em outros países, e também daqueles que não dispõem de tempo, paciência e nem estômago para literaturas desse tipo. Embora Lênin tenha escrito esse livro em agosto de 1917, antes, portanto, da Revolução Bolchevique que liquidou a república instaurada em fevereiro desse ano após a queda do czarismo, seus postulados, para os comunistas de diversos matizes, ainda permanecem vigentes apesar do desmonte do socialismo real. Em sua concepção de Estado, Lênin parte do princípio basicamente falso, porém muito conveniente para seus objetivos políticos, de que todo Estado, sem exceção, é um órgão de opressão de uma classe por outra. Opressão que é exercida fundamentalmente por meio do Exército, da Polícia e da Burocracia. Para Marx - analisando a Comuna de Paris - o Estado é "uma excrescência parasitária"; um poder central "tornado agora supérfluo". Prossegue Lênin, argumentando que a tarefa dos comunistas não consiste simplesmente em apoderar-se da máquina estatal e sim destruí-la, substituindo-a por outra onde mande e governe "a nova classe". Assim, é instituído um novo Estado, o Estado proletário e a conseqüente ditadura do proletariado, a qual substancialmente é "um poder não compartilhado por ninguém". É "uma organização centralizada da força, uma organização da violência". Conseqüente com a sua tese básica, Lênin reconhece que esse novo Estado, embora proletário, nem por isso deixa de ser Estado, e "enquanto exista o Estado não existe liberdade". Dessa forma, Lênin caracteriza friamente, além da propaganda, a verdadeira essência dos países que vieram a ser governados pelo comunismo. Posteriormente, já no Poder, Lênin definiu mais precisamente o conceito de ditadura do proletariado como "uma luta tenaz, cruenta e incruenta, violenta e pacífica, militar e econômica, pedagógica e administrativa, contra as forças e tradições da velha sociedade". De uma forma mais científica, Lênin afirmou que a ditadura do proletariado era "um poder ilimitado, não restringido por nenhuma lei, absolutamente por nenhuma norma; um poder que se apóia diretamente na violência". Essa concepção da ditadura do proletariado, derivada da noção contida na obra "O Estado e a Revolução" implica necessariamente na aplicação do terror sob todas as suas formas. Em 1920, Lênin iria confessar que anteriormente à Revolução Bolchevique o partido havia condenado o terror "unicamente por motivos de conveniência". Em 1922, Lênin propôs a introdução de um absurdo parágrafo especial sobre o terror no Código Penal, assinalando que "os tribunais não devem eliminar o terror" e que era preciso "outorgar-lhe (ao terror) fundamento e legalidade como princípio". Na verdade, o terror em massa teve início em dezembro de 1917, com a formação da CHEKA, o órgão repressivo do "novo Estado proletário" e cujas funções foram assim descritas pelo "Semanário da CHEKA", nº 1, 1918: "a CHEKA não é uma comissão investigadora, não é uma corte, não é um tribunal... não julga os inimigos e sim os extermina... não perdoa e sim pulveriza a todos os que se encontram no outro lado da barricada". Tudo isso sucedeu nos primeiros dias da revolução, continuou e aumentou durante a vida de Lênin e culminou com a orgia de sangue no reinado de Stalin que justificou o crescimento do Estado repetindo uma frase atribuída a Marx, segundo a qual o Estado nasce, cresce e fenece. Para Stalin, o Estado soviético estava ainda em fase de crescimento... Fiel aos princípios enunciados em "O Estado e a Revolução", Lênin não poderia tolerar a existência de outros partidos políticos. Todos foram aniquilados e seus dirigentes fuzilados. Muitos jovens certamente dirão: Caramba! Eu não sabia! Nota do Editor: Carlos I. S. Azambuja é historiador.
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