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Opinião
20/04/2013 - 17h18
O admirável mundo de Pi
Dartagnan da Silva Zanela
 

O limite é o elemento que nos dá forma. Tanto nosso corpo, como nosso comportamento e caráter, só podem ser reconhecidos como tal, por nós e por outrem, porque apresentam uma forma humanamente reconhecível na essência e nos acidentes (especificidades).

De um modo geral, o não enquadramento na forma irá apontar para traços que nos distinguirão enquanto indivíduos, porém, continuaremos necessitando do sentido que nos é dado pelos limites para que, inclusive, nossa singularidade possa ter fundamento, de modo similar a um riacho que tem a necessidade da pressão das margens para ser o que é.

Um exemplo que, penso eu, nos auxiliaria na compreensão disto, é nos dado por uma cena do filme “As aventuras de Pi” (direção de Ang Lee). Referimo-nos, especificamente ao momento em que o garoto tem sua primeira experiência com a doma do tigre Richard Parker, enquanto estava à deriva no meio do oceano Pacífico. Pi Patel, em sua solitária narrativa, afirma que se ele não tivesse a companhia da fera provavelmente teria morrido.

O felino de nome humano, em meio à imensidão azul, o mantinha desperto, atendo, por dar-lhe uma medida viva em meio àquele imenso vazio humano. Pi encontrava em Richard Parker o limite necessário para que ele não afundasse na imensidão desoladora que, literalmente, o deixou livre de tudo e de todos e que, ao mesmo tempo, o condenava. A constante ameaça do tigre lhe movia na busca dum sentido para sua vida, duma forma para aquela situação tão desprovida de sentido.

Doravante, quando volvemos nossas vistas para nossa vida na sociedade atual, percebemos que carecemos muitas vezes da presença dum tigre, de algo que nos desafie, que nos faça sentir os limites ontológicos de nossa existência, que nos permita sentir o pulsar cálido da realidade.

No fundo, todos nós somos náufragos perdidos em meio à imensidão, porém, matamos a besta feroz dos limites (principalmente no que se refere à formação dos infantes e jovens), preferindo boiar, sem eira e nem beira, tendo como único horizonte a perspectiva aguada duma e doutra conquista hedonista e/ou material na forma de uma bugiganga modernosa.

Verdade seja dita: os limites só tem sentido quando expressam com clareza a realidade a qual eles se referem. Apresentar uma enxurrada de normas simplesmente para enfeitar o coreto, para justificar a existência duma burocracia desnecessária e, em sua essência, ineficaz em seus propósitos e corruptora em sua excussão, não passando dum absurdo similar às leis ditadas pela Rainha de Copas, de Alice nos país das maravilhas. Tal estado de coisas apenas estupidifica os indivíduos por deformar a percepção das realidades mais patentes da vida. Aliás, como diria vovó: a dor ensina a gemer (ao menos ensinava). O limite ensina a viver e quem teme a possibilidade duma possível dor (ou frustração, se preferirem) não sabe o que é a vida. E quem quer extirpá-la do mapa, anseia por (de)formar a natureza humana.

Por essas e outras que, como diria Luiz Felipe Pondé, sentimo-nos em paz por estarmos resumindo a vida num ciclo narcísico de compras, nos aproximando demasiadamente dos personagens felizes e idiotas do Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley. E, infelizmente, nos distanciado terrivelmente da presença vivificante das Aventuras de Pi.


Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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