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Opinião
08/05/2013 - 17h00
Um momento da história
Amadeu Garrido
 

Os alemães talvez sejam o povo que confere o maior valor à história no plano da política e do direito constitucional. Talvez a historicidade esteja na alma dos germânicos. A ideia de processo histórico surgiu no idealismo de Hegel que Marx procurou descer a terra, inobstante sob um determinismo que desfibrou sua teoria. No campo do direito constitucional, Konrad Hesse talvez tenha sido o mais contemporâneo dos historicistas jurídicos. Não podemos, porém, esquecer Savigny, Hiering e outros. Essa comunidade tem memória, inclusive a de um interregno que, deliberadamente, esquece.

E, com efeito, sem consciência histórica não nos é dado penetrar nos segredos, na intimidade do direito constitucional e da política. O positivismo passa a impressão do concreto, mas permanece na superfície.

Pois bem. Façamos um ligeiro escorço histórico de um dos momentos mais tormentosos do Brasil. O golpe de 1964 já demonstrava que não seria uma simples transição, como prometera o Mal. Castelo Branco, que explodiu nos ares, num acidente aéreo cujas características raríssimas vezes se repetiriam. Talvez o único acidente análogo tenha sido a colisão do boeing da Gol, em relação ao qual se fizeram investigações exaurientes, o que não aconteceu no incrível episódio que levou à morte o primeiro presidente do ciclo militar.

A linha dura castrense tomava corpo cada vez mais. Não era transição coisa alguma, mas um projeto longo de poder. A sociedade estava, todavia, efervescente, era preciso domá-la, calá-la, sufocá-la. Para tanto, eram necessários pretextos. Um dos primeiros ganchos foi a memorável greve dos metalúrgicos de Osasco. Um jovem franzino porém carismático era seu líder. Chamava-se José Ibrahim. A greve estava longe de ser como hoje, um direito fundamental dos trabalhadores. A refrega foi contundente. Fábricas foram ocupadas por tanques. Trabalhadores levaram golpes violentos. As lideranças precisaram se refugiar. A "repressão" não estava para brincadeiras. Com certeza, o governo militar estava menos preocupado com os lucros patronais do que com sua longevidade.

Outras manifestações de trabalhadores, estudantes e de alguns poucos parlamentares que ainda ousavam enfrentar a fera, como Marcio Moreira Alves, formavam o conjunto do pretexto para o endurecimento. Precisavam de um documento jurídico para destruir a Constituição e o Ato Institucional nº 5 teve sua redação confiada ao Ministro da Justiça Luis Antônio da Gama e Silva, um nada brilhante professor de direito internacional da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, que se dispôs a escrever a antítese da ciência jurídica universal para bajular seus comandantes. Ainda assim, alguns generais resolveram meter a mão no texto, que o Ministro assinou sob temor e tremor.

Estava rompido o que restava de liberdades públicas e de democracia, deflagrada a ditadura escancarada. A greve de Osasco fora sufocada. Seu líder optou pela resistência armada, junto à Vanguarda Popular Revolucionária, liderada por Carlos Lamarca. Preso, foi trocado pelo embaixador americano, juntamente com outros prisioneiros, torturados nos porões repressivos. A esquerda armada se dividiu em quase que infinitos grupos, o que facilitou ainda mais um combate desigual. Foi completamente dizimada, física ou politicamente.

Lula ainda continuava a levar sua vida de ferramenteiro ou torneiro mecânico, na época o sonho dos trabalhadores da indústria automobilística instalada em nosso país. Despontaria somente em 1969, quando os movimentos populares voltam a sacudir alguns setores de nossa sociedade.

Voltavam os exilados, João Figueiredo dizia preferir o cheiro de cavalo ao do povo, mas é de se reconhecer que contribuiu para a democratização do país, até porque se esgotara o estoque político do milagre brasileiro frustrado. A sociedade brasileira continuava amordaçada e a ditadura ficara encurralada, principalmente após o revés sofrido nas eleições de 1974, com lei Falcão e tudo. A solução foi vista na "distensão lenta e gradual": toda ditadura teme a revanche, que no Brasil terminou plácida e pragmaticamente numa anistia recíproca.

Aos poucos, os partidos, inclusive os ideológicos, voltam à arena política e, com eles, os grandes líderes do passado que haviam curtido longo exílio. A vidinha iria continuar, Lula tomou coragem e, de metalúrgico, transformou-se em Presidente da República. 1988 nos legou uma densa e analítica Carta Política. Forma-se o PT, que morreu ao chegar ao poder.

Na última sexta-feira, foi sepultado José Ibrahim, aos 66 anos, provavelmente vítima de um enfarte. Seu triste passamento nos levou a registrar sua memória num país que não a tem, e colaborar, se assim for considerado, para uma melhor compreensão do que se nos impõe a política contemporânea, o Estado e a Constituição. Nada indica, felizmente, que possamos voltar a ditaduras, de esquerda ou direita, ambas nefandas e deploráveis. E a história ajuda.


Nota do Editor: Amadeu Garrido é advogado.

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