A “operação de guerra” que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal desenvolveram esta semana para aprovar a Medida Provisória dos Portos que, não votada, perderia validade às 24 horas de quinta-feira, expôs à população os inconvenientes desse instrumento legal criado pela Constituição de 88 em lugar dos temíveis decretos-leis do regime autoritário. Deputados, tanto da situação quanto da oposição, criticaram o comportamento do governo que, via MP, enfia seus interesses goela abaixo dos parlamentares e, quando tem dificuldades para aprovar, negocia, barganha e pressiona. Garotinho e Caiado chegaram a arranhar o regimento e o decoro ao falarem de corrupção, mas muito provavelmente, não serão chamados a se explicarem. Ficará tudo por conta do nervosismo da sessão, que também levou Vanderli Macris a rasgar o regimento interno da Câmara. De acordo com o artigo 62 da Constituição, o presidente da República pode recorrer a Medidas Provisórias “em caso de relevância e urgência”. Seu ato entra em vigor imediatamente e, para continuar valendo, tem de ser aprovado pelo Congresso em até 120 dias. Foi o que se deu com a MP dos Portos. É difícil, no entanto, acreditar que o governo tenha tantos casos de “relevância e urgência” que não possam ser resolvidos regularmente por leis ordinárias. De outubro 1988, quando a Constituição entrou em vigor até agora, foram editadas 2747 Medidas Provisórias, isto é, uma média de 130 por ano, mais de dez por mês. Mais da metade das aproximadamente 200 leis federais editadas ao ano. Se precisa recorrer tantas vezes ao instrumento instantâneo, o governo demonstra falta de planejamento e, ao mesmo tempo, impõe a sua vontade ao Congresso, mantendo os procedimentos em vigor sem aprovação por até quatro meses. Deputados e senadores, em vez de estudarem calmamente as matérias para depois colocá-las em vigor, são obrigados a correr paralelamente aos efeitos, sofrendo todo tipo de pressão e, não raras vezes, fragilizando o Poder Legislativo, como ocorreu na MP dos Portos. Na medida em que é tripartite – Executivo, Legislativo e Judiciário – o Poder Público não pode admitir a supremacia de um sobre o outro. Isso é coisa de regimes ditatoriais, onde o Executivo tem o mando, o Legislativo só referenda e o Judiciário sofre restrições. Não é o que a sociedade brasileira deseja. Mas, talvez, esse viés histórico esteja atrapalhando a nossa verdadeira consolidação democrática. É preciso encontrar a saída. As MPs, da forma que são aplicadas, constituem um instrumento antidemocrático. Elas só deveriam ser usadas em casos extremos como catástrofes, guerra ou outros problemas que, não resolvidos imediatamente, causem perdas irreparáveis. A Medida Provisória aos borbotões, como o governo edita, é um retrocesso e fator de desprestígio ao Poder Legislativo que, na análise mais profunda do Estado, é o representante do povo. Os verdadeiros democratas que se manifestem... Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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