Na semana da mulher, um depoimento de uma jovem: "Eu me sinto ridicularizada e explorada no meu emprego. Quando eu entrei para trabalhar, eles falaram que cada pessoa seria para uma função. Eu, por exemplo, só faria limpeza e trabalharia doze horas por dia, só final de semana. Mas tudo mentira! Nós, os funcionários, temos que fazer de tudo: preparar, limpar, guardar e até servir os clientes. Sem dizer o horário, que são dezesseis horas por dia. Nós fazemos dois dias em um. E o salário, então, eu nem comento. Uma mixaria. Quanto menos eles pagam, menos querem pagar. E a humilhação? Somos quase tratados como escravos. Só dão comida porque são obrigados por lei; mas mesmo assim a mistura é uma só e os pratos são fiscalizados quanto à quantidade de arroz e feijão. E tem apenas dez minutos para comer e voltar ao trabalho. Os patrões são todos sem coração. Não estão nem aí pros problemas dos outros. Só querem saber do serviço pronto e perfeito, senão leva bronca ou advertência. Eu só trabalho lá mesmo por necessidade." Este texto foi produzido por uma aluna da Escola Estadual "Capitão Deolindo de Oliveira Santos" em novembro de 2004. Essa aluna, negra, pobre, de uns 16/17 anos me incomodava porque sentava na frente e sempre dormia na sala. Isso me irritava muito. No dia em que ela escreveu esse texto pude entender a situação em que ela vivia. Parece mentira que um adolescente, no século XXI ainda tenha essa jornada de trabalho. Clarice Lispector é considerada por muitos a maior escritora brasileira e aquela que tem a maior quantidade de obras traduzidas no exterior. No entanto, sua escrita é considerada difícil e não estaria ao alcance do povo ou de pessoas não especializadas em literatura. Dizem que suas obras são muito elitistas e não falam do cotidiano de uma mulher comum. "A Hora da Estrela" foi sua última obra e é considerada sua obra prima. Descreve a vida de uma jovem nordestina que vem morar no Rio de Janeiro, tentando sobreviver e entender seu novo espaço de vida, num mundo dominado pelos homens e pelo capital, num mundo onde o que vale é a aparência. A partir da leitura de um trecho de um diálogo entre Macabea e Olímpico, solicitei aos alunos que relatassem uma situação em que eles se vissem como Macabea; daí surgiu o texto acima. Isso mostra que a escrita de Clarice está plena do sofrimento do povo e, principalmente da mulher.
Nota do Editor: Rui Alves Grilo é professor em Ubatuba (SP).
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