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Opinião
04/03/2005 - 13h11
Sonhar é preciso!
João Nemo - MSM
 

O Presidente Lula vez ou outra tem uma recaída no seu estilo sindical de oratória. Não dispondo de algum texto adrede preparado ou achando-o desnecessário, deita falação no velho estilo. Não que os discursos lidos sejam de alta qualidade, mas evita-se a agressão ao vernáculo e as assertivas são, pelo menos, mais prudentes, embora não necessariamente verdadeiras.

Às vezes, saudoso das origens, o Presidente veste-se até mesmo a caráter, tendo uma especial predileção por adereços de cabeça: chapéus, bonés, cocares etc. Estamos todos esperando que ele interrompa o seu "Tirano-Tur", em que visita cordialmente todos os ditadores da face da terra, e pose em trajes típicos na Escandinávia. Fará a alegria dos chargistas. Por enquanto, ora aparece de carteiro, ora de petroleiro, e volta ao velho padrão da oratória de porta de fábrica. Trata-se de algo até natural, considerando que a única atividade exercida por Lula com competência, por mérito e por vocação, foi a de líder sindical. Foi ali que ele aprendeu a fazer política e onde, para o bem geral, deveria ter continuado. Foi nessa escola que ele se formou.

Para quem não conhece, vale traçar, rapidamente, o desenho geral do que seja um discurso sindical:

Em primeiro lugar, o orador se mostra sempre muito preocupado com alguma coisa ou, então, indignado, seja lá porque for.

A exemplo do que fazem os deputados, que sempre se tratam por "Vossa Excelência", mesmo quando consideram o outro um asno, o sindicalista sempre se refere ao "companheiro" nem que seja para, depois, injuriar a genitora. Esse tratamento ajuda a transmitir a idéia de que têm tudo em comum, estão no mesmo barco e, portanto, devem manter-se unidos nas ações e nos objetivos;

- o conteúdo do discurso é pobre, repetitivo, insistente mas, às vezes, professoral. O líder está esclarecendo, alertando, orientando e abrindo os olhos de todos para as ameaças existentes;

- o foco central do enredo é sobre a armação obrigatoriamente existente para prejudicar o "trabalhadô". Há sempre um culpado, o patrão, um ser maligno que conspira contra todos. Para impedir que as maldades tenham sucesso, ali está o companheiro do sindicato, disposto ao sacrifício de parar de trabalhar e fazer carreira política com o nobre propósito de protegê-los;

- qualquer coisa aparentemente boa que a empresa proponha, só pode ser aceita se ficar claro que foi o resultado da pressão exercida pela ação sindical e pela mobilização da "catiguria". É sempre uma conquista, nunca resultado do menor lampejo de generosidade ou responsabilidade por parte da direção patronal;

- nessa linha básica, há sempre uma explicação alternativa para qualquer coisa, por mais simples e óbvia que ela seja. Aqui vale lembrar dois exemplos recentes: ao falar das famigeradas cotas, Lula afirma que as críticas são porque os ricos não gostam que nada seja dado ao pobre, mesmo que com isso não estejam perdendo coisa alguma; em outra ocasião, confrontado com os dados de pesquisa que mostram o problema crescente da obesidade e não da fome, alega, de bate pronto, que se trata de um equívoco causado pela vergonha que as pessoas têm de reconhecer que passam fome. O líder sindical não é um lógico, não tem qualquer compromisso com os dados e os fatos. É um especialista em bate-boca voltado para objetivos;

- finalmente, um aspecto que explica a imprudência mais recente do nosso estadista é a tradição consolidada no discurso sindical de usar e abusar de insinuações ou mesmo ofensas diretas que se perdem inconseqüentemente ao vento. Auxiliados pelo fato de que os advogados trabalhistas que assessoram as empresas prefeririam ser arrastados às fogueiras da inquisição que enveredar pelas varas criminais, as acusações, mentiras, injúrias ou calúnias de toda ordem ficam, sempre, inteiramente impunes. São usadas como recursos de oratória sem grandes preocupações.

Talvez por isso o Presidente, empapado de suor cívico, no antigo estilo rouco e de língua presa que traz a marca dos velhos tempos, não tenha se dado conta de que falar de supostas corrupções em órgãos públicos e alegar que proibiu o companheiro de abrir a boca pelo bem da nação, não é algo minimamente aceitável nem política nem juridicamente. Parece uma maneira fácil de atirar lama sobre o governo anterior e mostrar moderação em nome de um bem maior mas, na verdade, o senhor Lula não está mais proferindo inconseqüências na porta de fábrica. Ou se complica ele, ou se desmoralizam as instituições, ou ambas as coisas. O mais assustador é verificar que o cargo de Presidente da República é ocupado por alguém que não tem noção disso.

Uma coisa, entretanto, ele aprendeu com os intelectualóides do seu partido, já que esta não vem do berço sindical. Procurando minimizar o escândalo, o presidente afirmou: "Não podemos deixar que um discurso atravessado ponha por terra aquilo com o que se sonha."

Isso já é uma novidade, pois tenho observado que uma das marcas registradas da elite mais acadêmica do PT é a sua devoção pela atividade onírica. Quando pegos sem argumentos racionais para defender seus pontos de vista, quando flagrados ferindo a lógica e as ciências matemáticas, costumam escapar recorrendo a uma licença poética que põe a nu a pobreza de espírito e a aridez dos seus opositores. Dizem algo do tipo: "Não se pode perder o direito de sonhar!".

Parodiando Pessoa eu diria: "Sonhar é preciso; raciocinar não é preciso". Bons sonhos Presidente, porque para nós vai se confirmando um pesadelo.


Nota do Editor: João de Oliveira Nemo é Sociólogo e Consultor de Empresas em Desenvolvimento Gerencial.

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