Eu acho bom o Lula tomar cuidado com algumas atitudes que vem tomando, absolutamente contrárias a tudo o que pregou durante sua vida de operário e sindicalista. Um dos maiores pecados que um (uma?) personagem, histórico ou de ficção, pode cometer é trocar de lado. Não estamos aqui falando nada de sexo, ó mente perturbada, mas do campo ideológico, se é que alguém aí ainda se lembra do que seja isso. Veja aí o Judas, por exemplo, que, se não era exatamente um personagem, pode ser considerado como o patrono supremo dos traidores. O cara traiu nada mais nada menos que Deus e, pagando pela ousadia, é meticulosamente espancado pelas ruas do mundo todo até hoje. Trocar de lado é assim: um pecado que não se esquece jamais. Eu mesmo, pra falar a verdade, carrego nas costas um pecado que, quase 30 anos depois, ainda me faz acordar agitado no meio das madrugadas. Tudo aconteceu na tarde do dia 09 de outubro de 1977, no Morumbi, onde aconteceria a segunda partida entre Corinthians e Ponte Preta pelas finais do Campeonato Paulista. Para quem não se recorda, o Corinthians, não ganhava um campeonato há 22 anos, nem de futebol de botão, e parecia que queria descontar em cima da Ponte Preta. Meu amigo e eu, vindos de Campinas e pontepretanos roxos, nem chegamos em São Paulo e, já sentindo o clima, jogamos fora nossa camiseta ainda nas margens da via Anhanguera. A gente ainda não sabia, mas aquela foi apenas a primeira das traições. Quando chegamos ao estádio, não encontramos as inúmeras caravanas de pontepretanos que esperávamos. Muito pelo contrário. A única coisa que conseguíamos ver era uma massa de corinthianos de olhos vidrados e dentes cerrados. Na fila para os ingressos, milhares de torcedores com bandeiras, bottons e bonés. Meu amigo e eu nos entreolhamos e, sem pronunciar uma palavra, compramos dois bonés de um ambulante. Do Corinthians, evidentemente. Foi a segunda traição. No decorrer do jogo, sentados no meio da Gaviões da Fiel, meu amigo e eu até que conseguimos manter nossa dignidade razoavelmente intacta. No primeiro tempo, o Corinthians saiu na frente. No segundo tempo, a Ponte Preta empatou. E nós dois mantendo uma espécie de neutralidade silenciosa. Mas aí, no finalzinho do jogo, a Ponte Preta fez o seu segundo gol. Eu, eufórico, me levantei no meio da torcida do Corinthians, com o punho fechado, o grito de gol entalado na garganta. Mas aí o instinto de sobrevivência prevaleceu e, olhando em volta, em vez de gritar "Gol", o que eu gritei mesmo foi: - Esses campineiros são tudo viado! Pode parecer bobagem, mas, até hoje, eu tenho pesadelos com esse grito. A fragilidade das paixões humanas frente a qualquer pequeno obstáculo é espantosa e, ao mesmo tempo, decepcionante. Pelos motivos mais ordinários, traímos e negamos nossas ideologias, nossas origens e até mesmo os nossos deuses. O castigo é que alguns de nós são enforcados por causa disso. Ou, pelo menos, não conseguem mais dormir.
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