Martin Wolf, editor e principal comentarista do Financial Times, em artigo para o jornal Valor Econômico, retomando uma expressão retórica da época do socialismo real e da guerra fria, sustenta que a inflação pode ser um "tigre de papel". Isso não significa, porém, que devemos deixar tudo como está para ver como é que fica em nosso país. Aliás, jamais o festejado jornalista faria essa asserção temerária. É preciso examinar os fundamentos que o levaram a tal conclusão. Primeiro: parte do princípio de que a hiperinflação está a caminho nos EUA e no Reino Unido. Países tradicionalmente controladores de seus estoques monetários, o que se diria de nós, pobres mortais neste mundão de Deus? Apressa-se, porém, a dizer que o fenômeno deve se dar a longo, não a curto prazo, lá pela década de 20. Sigamos sua didática: o que é a inflação? Resposta: colocar o governo para funcionar sua máquina de imprimir dinheiro e jogá-lo no mercado. Cita a resposta clássica do falecido Milton Friedman: "A inflação é sempre, e em todo lugar, um fenômeno monetário, no sentido de que é e pode ser produzida apenas por um aumento mais rápido da quantidade de dinheiro do que da produção". O problema é saber por que razão um governo é levado a essa conduta suicida do equilíbrio econômico. A explicação mais curial e simples: devedores, os governos são os únicos que podem fabricar dinheiro para saldar suas obrigações. Um calote, em suma. Vejamos, porém, os dois exemplos das economias desenvolvidas, acima citadas. A inflação atual do Reino Unido é razoavelmente baixa, o que não se deve alterar nos próximos dois anos. A inflação dos salários próxima de zero, o custo de mão-de-obra sobe a menos de 2% ao ano. A taxa de câmbio e o preço dos commodities estão estabilizados. Segundo o articulista, o que vale para o Reino Unido vale ainda mais para os Estados Unidos e a zona do euro. Em cinco anos o cenário poderá ser diferente: O PIB do Reino Unido está 16% abaixo de sua tendência pré-crise; muita capacidade produtiva excedente (hiato entre o potencial e o real da produção: 4%); o desemprego bate numa fixa alta de 8%, quando o ideal, sem ser o pleno emprego, gira em torno de 1 a 2%. Ao revés, a queda da disposição dos bancos em emprestar não foi neutralizada pelo Banco Central, o que implica em menos moeda em circulação. Finalmente, a política fiscal é altamente contracionista. Os que admitem a eclosão inflacionária na década de 20 se reportam ao "fator multiplicador de dinheiro", dada a relação entre os empréstimos bancários comerciais e o dinheiro excedente em suas atividades que são obrigados a repassar aos bancos centrais. Todavia, um banco solvente sempre poderá obter as reservas de que necessita dos bancos centrais, sob pena de uma crise no sistema de pagamentos. A circulação impede as emissões. Em outras palavras, o capital dos bancos é mais importante do que suas reservas. No caso de o banco central pretender tirar dinheiro de circulação, poderá emitir títulos ou tomar o excedente dos bancos via depósito compulsório. Assim, conclui o articulista, "a ideia de que um alto nível de reservas garante uma futura escalada dos meios de pagamento é falsa". Outra possibilidade de inflação é o mencionado calote de dívidas públicas e privadas, o melhor dos mundos para os devedores e o pior para os credores (nos países onde Delfim Neto não criou a correção monetária, remédio e veneno ao mesmo tempo). Quais as alternativas? O crescimento, a vida austera e a repressão financeira, com aumento da taxa de poupança. Corolários: passagem do déficit público primário para superávit (simplificaria o ex-presidente Jânio Quadros, embora não tenha seguido o que ensinava: acabar com a bandalheira do governo, deixar de dar empregos aos camaradas, controlar os gastos públicos e conviver com uma baixa taxa de juros. Como se vê, se naqueles países desenvolvidos a ameaça inflacionária só pode ocorrer a longo prazo, a nossa defasagem monetária já está em nossas portas, porquanto o partido de projeto de poder, que o empalma, não brigará com sua cupinchada e não saneará as contas públicas, até as eleições. Depois dela, como disse o velho guru, referindo-se aos inimigos capitalistas, o dilúvio. Nota do Editor: Dr. Amadeu Garrido de Paula é advogado.
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