Um antigo grupo chinês cultivava uma estranha crença: do cosmos emergia o direito e, deste, a música. Nada mais insólito, dirão de imediato. A razão tem razões que a razão desconhece. A realidade cósmica não tem harmonia. Ao contrário, seu substrato é o conflito. Os planetas, os asteróides, as estrelas, os cometas, os satélites naturais, a poeira cósmica e a parafernália de corpos celestes em expansão, em permanente velocidade indirecionada e atritos determinados pela gravidade, compõem o imenso pano de fundo que se esfola nos recônditos de nossa existência. Os bózons, recentemente descobertos graças aos aceleradores de partículas que consumiram bilhões de dólares da Suíça e do EUA, introjetaram energia na matéria, a ponto de conferir o mínimo de harmonia universal na física, e puseram ordem no caos. Daí originou a vida tal como a conhecemos, a despeito da oposição anárquica dos férmions, em números unitários muito maiores. Pode-se dizer que o primeiro fenômeno criativo do universo, no sentido da harmonização, portanto, foi jurídico. Os pensadores do Oriente tiveram o discernimento de perceber que a mecânica das normas não era a desconhecida linguagem, inexistente, que, por meio de vocábulos imperfeitos, qualifica os fatos como valiosos ou desvaliosos e, travejando-os num sistema, permite o desenvolvimento da vida em sociedade por meio de normas, liberdades e obrigações. Se não havia linguagem unificadora da harmonia, uma outra substância haveria de promovê-la. Era a música, consistente de notas obrigatórias dos sons aproximativos do bem e, por conseguinte, do comportamento dos viventes. A música, segundo os velhos chineses, era, portanto, a transmissora da paz. As sociedades organizadas, felizes e que se completavam, eram guiadas por uma música suave, leve, sem estridência, que ensejava a vida alegre nas aldeias. As sociedades decrépitas, oprimidas, sem norte, desiguais, iníquas, também tinham algo parecido com a música; um barulho agressivo e desarmônico. Fica, assim, cognoscível o "iter" da evolução e a importância primacial do direito, que hoje, em muitas sociedades e jurisdições, infelizmente mais se aproxima da agressão auditiva, sobretudo porque seu sentido coletivo, graças às diatribes do direito moderno, perdeu para o direito privado de cada um; o individualismo das colisões cósmicas tomou o lugar da equidade do direito comum e público nos últimos séculos. Releva a importância da cogitação quando o Brasil surpreendeu o mundo e revelou que a música barulhenta dos desmandos, principalmente da apropriação indébita do pertencente a todos por grupos de piratas do espaço, há de ser sucedida; não sem esforços, pelos homens de bem, pelos jovens das ruas, pelos políticos compromissados com a "res publica", pelos acadêmicos voltados para a evolução do conhecimento e promoção do bem comum, pela mais trabalhada das sinfonias normativas. E não serão precipitados toques imperfeitos de instrumentos toscos que darão ao povo o que é do povo - e este então poderá se dedicar às criações que lhe estão reservadas por nosso planeta. Nota do Editor: Amadeu Roberto Garrido de Paula, advogado, assessor jurídico da CNPL.
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