Uma de minhas maiores deficiências é fazer dinheiro. Pelo menos uma vez por semana tenho a sensação de ter nascido no país errado, na época errada e com calças que não têm bolsos. Vejo em mim diversas vocações, mas nenhuma delas permite manusear dinheiro com a fluência de um traficante. Invariavelmente me pego produzindo idéias, lições e palavras e recebendo em troca pouco mais do que gratidão e reconhecimento - o que me faz pensar em Van Gogh, que não recebia gratidão nem reconhecimento. Até aqui tudo bem, porque tenho saúde e força física suficientes, alguma criatividade e pretensões materiais que fariam inveja ao Dalai Lama. Mas a juventude se distancia e leva consigo as paixões que tornam a vida uma pechincha interessante. Lembro que viajei de carona algumas vezes quando tinha vinte e poucos anos. Hoje talvez isso continue fazendo sentido para mim - já que minha condição financeira ainda inspira cuidados e o polegar estendido na estrada -, mas a sociedade recusa pessoas cujos costumes não correspondem à idade que aparentam. As aventuras mudam com o tempo e a aventura de hoje é vencer na vida. Entre tantos significados possíveis, vencer na vida significa lutar com outras pessoas que têm como objetivo vencer na vida. E ferir-se, correr o risco de arruinar a própria vida e a vida alheia, sem compaixão, sem medo do perigo. Amadurecer é isso. Colocados os pingos nos is, vamos a algumas definições. O trabalho é uma espécie de guerra. Cidades são campos de batalha. Não admira que as cidades brasileiras sejam tão feias: aqui todos têm a obrigação e a necessidade de lutar e vencer. Trabalhadores braçais são como carne moída para canhão, aqueles que marcham trêmulos na linha de frente. Doutores e generais se equivalem, assim como políticos e mercenários. A competição rege a vida do homem moderno, para quem o trabalho é o meio para obter dinheiro. Pessoalmente encaro estas coisas de outra forma. O trabalho é o meio que escolhi para me relacionar com outras pessoas, transmitir uma mensagem, oferecer-lhes aquilo que considero bom em mim. Se lhes ofereço algo suficientemente bom, recebo algo em troca - dinheiro, reconhecimento, gratidão. O homem virtuoso não se preocuparia em receber algo em troca, tampouco com o que é oferecido. Mas é necessário viver de algo, dizem, e esse algo deve ser moeda corrente e versátil que sirva para obter as coisas de que precisamos - camisetas, energia elétrica ou sabão. Um contrato - às vezes silencioso - determina que recebamos dinheiro em troca de nosso trabalho. Nenhum contrato determina que se receba gratidão e respeito. Com respeito e gratidão pode-se conseguir dinheiro com facilidade. Com dinheiro nem sempre se consegue respeito e gratidão. Decerto as coisas não são tão fáceis e mágicas como posso sugerir nestas duas frases. Dizem que quem tem dinheiro compra respeito e compra gratidão, mas eu tenho dúvidas sobre isso. Respeito e gratidão não alimentam e não protegem da chuva, mas acolhem a alma, que assim estará sempre alimentada e protegida. O que dói mais? Dor de estômago ou dor da alma? Você conhece alguém que passe ou que já passou fome? De que precisa alguém que faz três refeições ao dia? Estas perguntas são muito safadas. Não pretendo maquiar a dor de quem realmente passa fome e sofre com a miséria. Mas veja, mesmo o sofrimento dos miseráveis é antes um sofrimento social, é a dor de alguém que foi incapaz de unir-se a outras pessoas menos miseráveis e oferecer-lhes algo de bom. No fundo, a miséria e o fracasso (e a solidão que invariavelmente se lhes segue) são a incapacidade de reconhecer as próprias virtudes. Quem não enxerga as próprias virtudes não tem nada para oferecer às outras pessoas, e decerto não receberá nada em troca. Assim nasce a miséria. Toda pessoa serve para algo. Mas as pessoas procuram dinheiro, não trabalho. Elas querem emprego, não realização. Esperam um cargo para produzir algo, quando poderiam produzir pelo prazer de produzir, de trazer algo bom para este mundo, de ter algo para oferecer às pessoas ao seu redor. Não foi essa a lição dos grandes mestres? Eles produziam, não importava a quem; recebiam dádivas em troca, não importava a origem e o valor. Trabalhar, no fim das contas, é apenas fazer por merecer a bondade que as pessoas lhe dedicam. Onde há mérito não há pobreza.
Nota do Editor: Christian Rocha vive em Ilhabela, é arquiteto por formação, aikidoka por paixão e escritor por vocação. Seu "saite" é o Christian Rocha.
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