O irracionalismo. Como nos livrarmos deste espectro sombrio do habita nosso ser? Provavelmente para todo o sempre teremos que travar contendas intestinas conosco mesmo, com essa nossa sombra. O habitat que muitas vezes é apontado como sua morada precípua seriam as religiões. Todavia, discordo em gênero, número e grau. Não, pelo fato de o saber teológico ser um saber supra-racional e não irracional. E de mais a mais, não é nos objetos materiais e imateriais que mora essa característica humana, não mesmo. A sua morada é na alma do seu praticante. Na minha e na sua. Lembramos de início, para o leitor leigo quanto aos estudos de sociologia e antropologia das religiões, que devemos sempre saber ponderar quanto ao que venha a ser a experiência religiosa esotérica e a exotérica, o que vem a ser a jornada interior e o que vem a ser simplesmente a exteriorização de um saber na forma de regras, ritos e símbolos. A experiência interior que mencionamos é encontrada de maneira muito presente entre os monges, freis, teólogos e sábios das mais variadas confissões religiosas, onde esses fomentam uma atenção maior para com a experiência mística que os símbolos Sacros propiciam a eles do que propriamente os símbolos em si, preocupam-se muito mais em procurar se re-ligar com o Absoluto do que confundi-lo com os objetos e parábolas que o simbolizam. Por isso, como nos aponta o filósofo indiano Ananda Coomaraswamy: "As religiões podem e devem ser muitas; todas são individualmente uma disposição ou arranjo de Deus e podem e devem ser esteticamente diferenciadas, visto que a coisa conhecida só pode estar em quem a conhece segundo o modo de quem a conhece; por isso, como dizemos na Índia, Ele assume as formas que são imaginadas pelos que O veneram". (¿Que es la civilizacion?, cap. II) Em outras palavras: uma das coisas mais viciosas e mesmo pecaminosa seria a afirmação que tanto ouvimos pelas ruas de que: "[...] a minha religião é a melhor! A de vocês está toda errada!" Creio que uma maturidade espiritual respeitável se encontra justamente em uma afirmação mais humilde e menos pretensiosa do gênero: "essa é a melhor religião para mim, pois através dela me sinto mais próximo do Sapientíssimo". Todavia, continua-se a se repetir a postura arrogante de, enquanto reris criaturas, pensarmos que somos enviados especiais do Altíssimo, heresia a qual era condenada pela Santa Madre Igreja deste os tempos medievos mas que, nos dias hodiernos, estão não apenas sendo toleradas como incorporadas e estimulada por certas facções da referida instituição. Parece-nos que a virtude cardeal da humildade está sendo riscada das Sagradas Escrituras Judaico-Cristãs. Como assim? Vejamos dois exemplos muito recentes. O primeiro, onde uma senhora, da Renovação Carismática, chegou para uma outra que se encontrava com uma séria enfermidade e lhe disse que ela estaria assim porque ela se afastou da Igreja e que, segundo suposto sinal que ela havia recebido (uma espécie de xamanismo decaído?) de que se ela não retornasse para as atividades da Igreja ela iria acabar em uma cadeira de rodas. Nossa! Que belas palavras de conforto essas em? O outro exemplo, vivido pela mesma pessoa retrata a imagem de uma Evangélica, dessas Igrejas Neopentecostais que populam Brasil afora, que chegou para essa e lhe disse que ela estava assim porque ela era Católica e que se ela não se humilhasse para Cristo ela continuaria sempre assim com seus problemas de saúde. Nossa! Confesso que estou comovido com a bondade Cristã desta mulher em suas palavras amigas para com a enferma. Fico a indagar-me em que tal postura relembra os passos do Filho de Davi? Gostaria de saber em que momento isso reflete o exemplo de uma pessoa entregue a devoção e confissão da Verdade Revelada? Provavelmente nenhuma destas duas pessoas "religiosas" conhecem a vida de um São Francisco de Assis, ou a obra de um Sto. Tomas de Aquino e muito menos as obras infinitamente santificadas de uma Santa Madre Teresa de Calcutá. Enfim, conhecem apenas o aspecto aparente da experiência religiosa e não a profundidade do re-ligar-se ao Absoluto. Enquanto tal intolerância e mesmo ignorância permanecer no cerne do coração das pessoas, continuaremos a ter a solta pretensiosos senhores da verdade no lugar de humildes peregrinos que procuram a sua compreensão frente as Verdades Universais. Continuaremos a caminhar neste circulo vicioso de divinizar-se palavras e símbolos ao invés de compreender o divino através delas. Mais do que nunca, as palavras da PHILOSOFIA CRISTIS de Erasmo de Roterdam, mais do que nunca, os ditos de seu ELOGIO DA LOUCURA, por acabarmos até os dias vividos a nos preocupar com partes secundárias do que em viver a os ensinamentos de Cristo presentes nos Evangelhos.
Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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