Há 24 anos, surgia no cenário político nacional uma figura quase messiânica, que prometia acabar com os marajás (nome dado aos detentores de altos salários na administração pública) e, de alguma forma, pela sua pouca idade, lembrava outro salvador da pátria que, nos anos 50 e 60 do século passado havia prometido, com sua vassoura, acabar com todos os males nacionais. Com isso, elegeu-se à presidência - o primeiro a sair das urnas depois do período autoritário – e acabou isolado no poder para, como aquele que lhe deve ter servido de modelo, acabar alijado do processo. E os marajás, fortalecidos, continuaram nadando de braçadas largas no mar do favorecimento e, até, da corrupção. Hoje, muitos obscuros senhores e senhoras bem relacionados e protegidos em suas carreiras continuam recebendo os imorais salários astronômicos vindos dos cofres públicos, ao mesmo tempo em que os governantes, choram lágrimas de crocodilo e miséria para justificar o mal que pagam aos ocupantes de cargos da base da pirâmide. Os privilegiados só foram oficialmente descobertos agora, quando os governantes se viram obrigados, pela Lei nº 12.527, sancionada em 18 de novembro de 2011, a divulgar a lista dos salários, até então guardada a sete chaves. Governantes e legisladores relapsos nunca se interessaram em corrigir as distorções que levam os servidores bem relacionados e de bons padrinhos de um poder a acumular tantas vantagens de cargos de chefia e comissões exercidas a perceberem rendimentos maiores do que o chefe do poder, pela lógica, o credor do maior salário. Assim protegeram seus amigos e cabos eleitorais. Não tomaram o cuidado de criar limites para as acumulações e, por conta disso, em modestas prefeituras do interior, onde o servidor básico ganha R$ 800 e o prefeito R$ 15 mil mensais, existem marajás com rendimento de até R$ 50 mil ao mês. Assim também ocorre nos governos estaduais e no federal e nas casas legislativas, sem que nada possa ser feito porque se tratam de direitos adquiridos e decorrentes de atos jurídicos perfeitos. Toda vez que o governante ou administrador se recusa a pagar, a Justiça, por direito consagrado, o manda fazê-lo. A existência de salários elevados e fora da lógica de mercado ofende aos mais básicos princípios de distribuição de renda. É pior na administração pública, que tem limites orçamentários a cumprir. Uma prefeitura, por exemplo, só pode aplicar até 54% da arrecadação para o pagamento de salários. Se paga muito para alguns, é obrigada a reduzir proporcionalmente os salários dos demais, pois não pode extrapolar os 54%. Assim, pode-se concluir que o mau salário de que reclama a maioria dos servidores é resultante, além da corrupção endêmica no país, dos marajás que drenam altas somas do bolo e dos administradores e políticos que nada fizeram para evitar essa distorção. O mal já está feito e, pela legislação vigente, não pode ocorrer a redução de salários. Mas nada impede que os governantes e os legisladores atuais, se bem intencionados, criem leis estabelecendo limites para as gratificações e acumulações que ocorram de agora em diante. Quanto aos atuais marajás, se não for encontrada alguma irregularidade na composição de seus salários, não há o que fazer. Os demais poderão, apenas, esperar pela sua morte para o alívio da folha geral de salários e a possível prática de melhor distribuição da renda... Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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