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Crônicas
22/08/2013 - 15h01
Retorno ao meu sertão
Rangel Alves da Costa
 

No último final de semana coloquei o pé na estrada e segui em direção ao berço de nascimento. Foram apenas três dias de reencontro com as raízes, os amigos e as tantas belezas e misérias que ladeiam aquelas distâncias. Poucos dias, mas tempo suficiente para novamente me alimentar da seiva essencial espalhada em todo canto do meu Poço Redondo. Prefiro a denominação escrita no coração: Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo.

Os caminhos são distantes e desafiadores. Após chegar os limites do autêntico sertão sergipano, quando a fotografia da vida ganha outra cor e outro matiz, são as beiradas das estradas que logo dizem da real situação naquele momento. Os olhos logo avistam as paisagens secas e esturricadas ou os campos verdejantes. Dessa vez o meu olhar se mostrou sorridente. As últimas chuvas fizeram renascer a vida naquelas imensidões antes devastadas pelas estiagens.

Os campos desmatados e os mandacarus solitários faziam surgir a vegetação rasteira se distanciando até perder de vista. As mesmas casas empobrecidas de beira de estrada com suas portas abertas e parecendo abandonadas. Mas certamente que não, pois o sertanejo sempre ao redor na sua lide ou pelos fundos da moradia fazendo uma coisa ou outra. Ali um cachorro, acolá um menino correndo.

Poucas árvores, lamentavelmente. Uma ou outra catingueira, um umbuzeiro numa malhada, uma árvore perdida no meio do tempo. Desde muito que o sertão vem sendo devastado impiedosamente e sem que se pense em qualquer replantio. Passaram a lâmina e a serra em tudo, derrubaram tudo para a coivara e o preparo do chão para o plantio. Mas depois a terra empobrecida, sem nutrientes, se transforma apenas num campo desolado e sem vida. Eis a situação avistada por lá agora.

Nesse passo, com o olhar num misto de admiração e desalento, pois a colcha verdejante não afastava a certeza de um sertão consumido pela mão do homem, cheguei ao refúgio do sol. Agora sim, agora o verdadeiro entristecimento. Sempre chego por lá na esperança de encontrar alguma novidade boa, alguma obra importante, alguma transformação na cidade e no município, mas tudo parece surgir de forma cada vez mais negativa e dolorosa.

Poço Redondo, diferentemente de todas as cidades sertanejas, regride impiedosamente, cada vez mais vai se transformando numa cidade abandonada, maltratada, praticamente destroçada. Não há nada, absolutamente nada, que se possa apontar como obra que tenha trazido qualquer melhoria para os habitantes. Isto na cidade, no cartão-postal do município, e mais degradante ainda nas povoações que formam o maior município, territorialmente, de Sergipe. São quase 1.200 km² de abandono.

Da entrada da cidade ao ponto mais longínquo, quando não há crateras nos calçamentos há buracos no chão batido. É um verdadeiro sacrifício caminhar por ruas que desde muito não sabem o que seja uma camada de massa cimentada por cima dos paralelepípedos. Praças abandonadas, canteiros recobertos de areia seca, uma tristeza infinita. E dói mais ainda ao lembrar que nas gestões de Alcino Alves Costa a cidade era reconhecida pela beleza de suas praças, pelos verdadeiros jardins floridos e verdejantes.

A cidade, toda feia e negligenciada pela administração municipal, estava em festa. E uma festa forjada para mostrar a incoerência com que tratam o município. Anteciparam as comemorações da festa da padroeira Nossa Senhora da Conceição e contrataram nove bandas para apresentações na Praça de Eventos. E não vejo qualquer necessidade de uma prefeitura contratar tantas bandas, a um custo elevadíssimo, para fazer festa num município de menor índice de desenvolvimento humano de Sergipe, com a maioria da população vivendo na linha da miséria, com o desalento morando atrás de cada porta.

Soa como demasiada incoerência que a prefeitura tivesse dinheiro para pagar as bandas e não tenha feito o depósito do salário dos professores nem pagado um centavo sequer aos fornecedores. E também falta de visão administrativa, pois se os professores tivessem recebido seus salários certamente teriam aquecido as vendas no comércio local e durante as comemorações. Mas ouvi coisas de indignar sobre os motivos tanto do contumaz atraso nos pagamentos como do abandono a que o município está relegado.

Por mais que muitos amigos me chegassem para contar suas mágoas, resolvi que não discutiria nada sobre a situação do município nem sobre a politicagem que reina por lá. Mas disse que não adiantava mostrar ódio ou enraivecimento se mais tarde a maioria estaria erguendo a bandeira partidária do grupo que está no poder e votando apaixonadamente. E acontece sempre assim.

Todo poço-redondense sabe que sou adversário da atual administração, que não rezo na cartilha da corrupção de jeito nenhum, ainda que parentes meus estejam sempre de boca aberta debaixo das tetas. E estão gordinhos demais. Mas não sou contra nomes nem grupos políticos. Sou contra todo aquele que torna o meu município num meio de enriquecimento pessoal e administra para o caos, para o abandono, para a destruição. Eis a feição atual de Poço Redondo.

Mas o que avistei por lá, em cada amigo que encontrei e pude abraçar, foi muito mais forte que toda tristeza sentida e ressentida. A cada dia que passa, a cada vez que chego por lá, sinto o quanto sou admirado pelos meus conterrâneos. A elite do poder me evita, mas não pode evitar de ver o quanto as pessoas simples se sentem bem na presença de um verdadeiro amigo. E hei de retribuir, tornando realidade o desejo de muitos, toda essa consideração. Quem viver verá.


Nota do Editor: Rangel Alves da Costa é poeta e cronista. Mantém o blog Ser tão / Sertão (blograngel-sertao.blogspot.com).

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