Depois de passar meses passivo à espera da libertação dos torcedores corintianos, que desde o princípio se sabia inocentes na morte do jovem torcedor de Oruro (Bolívia), o governo brasileiro mete-se agora na aventura da fuga do senador boliviano desafeto do governo local. O diplomata que representa (ou representava) o país em La Paz organizou e participou pessoalmente da perigosa e ilegal viagem do político proscrito por 1500 quilômetros de território boliviano, utilizando veículo da embaixada, fuzileiros navais brasileiros e agentes da polícia federal. Em vez disso deveria o governo brasileiro, que já havia concedido asilo político ao perseguido, ter pressionado para a expedição do salvo-conduto que permitisse a retirada do asilado por vias legais. Mas não o fez e, se fez, não se empenhou. As relações Brasil-Bolívia são contraditórias. Anos atrás, o presidente Evo Morales invadiu e “nacionalizou” propriedades da Petrobras, que operavam naquele país sob contratos e leis internacionais, sem que o medroso (?) governo brasileiro respondesse à altura. Pressionou por reajustes no gás que vende ao Brasil a ponto de tornar o hidrocarboneto pouco competitivo na matriz energética brasileira. Frequentemente temos notícias de “empréstimos”, “ajudas” e “perdões” de dívidas dos bolivianos para com o Brasil. O “compañero” Morales circula com desenvoltura em nosso território e nos circuitos do poder brasileiro. Mas parece nos tratar com desdém, como se tivéssemos obrigação de suportar seus arroubos e contradições; e provavelmente temos de suportá-los, pois nunca o Brasil respondeu mais energicamente. Num país como o nosso, onde floresceram mensalões, cartéis, intermediações, montadores de projetos e outras safadezas com o bem público, a quem e porque, poderia interessar essa capitulação? A atitude do diplomata Eduardo Sabóia, que está (ou estava) no lugar do embaixador brasileiro na Bolívia, por mais humanitária que possa parecer (ele temia pela saúde do asilado, em depressão) não se justifica. Como representante do Brasil num país amigo (muy amigo!), não tem o direito de agir ao arrepio da lei, utilizando-se de suas credenciais, recursos materiais e funcionários públicos brasileiros à disposição da missão diplomática. Para retirar o asilado do território boliviano, sua única alternativa era acionar os altos escalões do Itamarati para que este, com recursos próprios ou indo à Presidência da República, pressionasse diretamente o governo local a expedir o salvo-conduto. Retirá-lo por outros meios é crime, e o Estado Brasileiro, a quem representa (ou representava) não é juridicamente apto a ações criminosas. Quem comete o crime é o seu agente, no caso, o diplomata e, possivelmente, aqueles que com ele contribuíram, mesmo que com a atenuante de estarem cumprindo ordens. Se não conseguisse fazer o governo brasileiro se mexer, que renunciasse ao posto na embaixada! Espera-se que o episódio termine bem, que atitudes desse naipe não se tornem corriqueiras e que o diplomata não reste endeusado pelo seu feito que pode, no máximo, decorrer da ineficiência da diplomacia brasileira e do pouco caso que o governo de La Paz faz ao Brasil, apesar das benesses brasileiras que frequentemente recebe. O episódio dos corintianos parece superado. Mas, se quiserem acertar os ponteiros, Brasil e Bolívia precisam buscar, urgentemente, uma solução para os milhares de refugiados econômicos bolivianos que hoje vivem como escravos, explorados por seus próprios concidadãos, na zona de confecções de São Paulo. Isso sim seria uma obra humanitária... Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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