Há meses o governo de Juan Manuel Santos e as Farc travam negociações de paz. Nada mal, porém é equivocado considerar que a história é só o futuro. As anistias recíprocas portam essa catarse mnemônica, como ocorreu no Brasil. No entanto, é a banalidade do mal, como foi cunhado o fenômeno por Hanah Arendt. Segundo as partes em negociação, o mais importante é ressarcir as vítimas e seus familiares. Sim, ninguém quer responsabilizar-se criminalmente por 220.000 mortos deste 1958, dos quais 176.000 foram civis pobres das montanhas e das planícies distantes dos centros urbanos. De cada grupo de 10 colombianos mortos nesse período 3 perderam a vida em decorrência do conflito entre governo e guerrilha. Estimam-se 25.000 desaparecidos, 6.000 crianças recrutadas para os combates, 10.000 amputados por minas e cerca de 5 milhões expulsos de suas terras nativas. E tudo caminha para uma reparação, indenizações, nada de responsabilizações criminais, longe de pensar-se num Tribunal de Guerra para investigar e punir os criminosos de lesa-humanidade. Claro, como é comum na América Latina, os direitos humanos não são defendidos pela sociedade, mas, quando muito, por grupos próximos do poder e, em casos como esses, prevalecem as conveniências dos culpados. Numa palavra, estivéssemos no campo do direito privado e diríamos que um crime se resolve no plano do direito civil, sem invocar-se o direito penal. Nada mais distante do direito, desde as eras priscas do Código de Hamurábi e do direito romano. No fundo, essa minimização da responsabilidade esquece o papel repressivo e pedagógico do direito, para limitar-se a uma compensação que nem de longe é compensação para as centenas de milhares que perderam a vida, para seus familiares, e para todos aqueles que foram vítimas das mazelas retro mencionadas. Muitos dirão que, se assim não fosse, a conciliação seria inviável e a guerra fratricida teria continuidade. É uma cogitação, mera elucubração, porquanto, se depois de meio século as partes beligerantes se dispuseram a conversar é porque se encontram debilitadas; e uma delas (provavelmente a guerrilha) logo jogaria a toalha, de modo que seus integrantes criminosos poderiam ser devidamente responsabilizados. E, alcançada a paz, também os integrantes do aparelho estatal repressivo que exageram em suas coerções e sacrificaram civis pobres e indefesos. Os cinquenta anos trágicos da vida colombiana são a demonstração flagrante da falsidade de que as guerras só envolvem os combatentes (o que não as tornaria muito menos perversas). Pobres camponeses formaram a maioria dos mortos por essa guerra insana, em que seus responsáveis se pouparam e continuam blindando-se. A humanidade talvez houvesse ingressado na terceira guerra mundial – e sucumbido integralmente – sem o Tribunal de Nuremberg e as Cortes de Justiça de natureza penal, a exemplo do Tribunal Penal Internacional, hoje em plena atividade. Se tudo se resumisse a indenizar as vítimas, certamente não haveria mais ninguém para contar a história do homem. E esse cenário demonstra como não se dá valor à vida das coletividades, sobretudo as frágeis. A morte – dos outros – é indolor. Nós não a encaramos, assim como não fixamos nossas vistas na luz do sol. Nota do Editor: Amadeu Roberto Garrido de Paula é advogado.
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