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Opinião
02/09/2013 - 12h03
O direito de liberdade
Amadeu Garrido de Paula
 

A intelectualidade formadora de opiniões no Brasil, por muito tempo inspirada em fontes marxistas-leninistas-maoistas, conseguiu transmitir às grandes massas populares a falsa ideia de que o supremo valor da democracia é o da igualdade ou o da justiça social, como se houvesse justiça que social não fosse.

Deixou-se, assim, eclipsado o valor fundante dos estados democráticos de direito, que é a liberdade. Não somente a liberdade formal e clássica, consubstanciada no direito individual de impedir que os entes estatais invadam ilegitimamente a esfera de nosso campo autônomo de disposição da vontade, não lesiva ao ordenamento jurídico, mas também as liberdades positivas, por meio das quais nos são garantidos os meios para realizar as prerrogativas inerentes à democracia, constitucionalmente consagradas e que o Estado tem o dever de garantir a concretização.

Os EUA imprimiram respeito a valores constitucionais que os brasileiros desprezaram cronicamente, como a liberdade e a devida organização federativa. Seus juristas chegaram a construir um conceito que nos parece estranho, o do devido processo legal material. Ao pensarmos em processo, logo imaginamos os processos em sentido estatal, administrativo ou judicial. O devido processo legal material americano nada tem a ver com isso. É uma fórmula de relacionamento intersubjetivo no seio da sociedade.

Todos podem exercer sua liberdade sem interferência do Estado, mas, como ela termina no ponto de início das alheias, é preciso que todos se pautem assemelhadamente ao comportamento de advogados, promotores e juízes em nossas relações rotineiras. Tal consciência e conduta permitem a minoração dos conflitos. No Brasil, a falta desse tipo de relacionamento espontâneo e voluntário de respeito recíproco entre os membros da coletividade, a judicialização dos conflitos não sofre contenções; daí a avalanche dos processos judiciais, resultantes de uma falta de consciência cívica, umas das causas principais do travejamento insano de nosso Judiciário, que o povo se recusa a admitir, porquanto a causa dos males sempre têm fonte no governo e nas instituições.

Mal percebemos que, ainda que entre os abastados, obviamente em menor grau, diariamente alienamos parcelas de nossas liberdades naturais, entregues a imposições ilegítimas, nos bancos, nos supermercados, no trânsito, nos condomínios, em todas as instâncias da vida diária. Uma das maiores alienações da liberdade individual, por paradoxal que possa parecer, se processa no campo sempre dissimulado do amor, em que relações neuróticas e de ciúmes, não raro, fazem com que tenhamos de prestar satisfações a partes ilegítimas de nosso ir e vir a uma banca de jornal. É algo que corrói as relações e destrói um sem-número de famílias, encerradas ou não formalmente por separações legais.

Há décadas os americanos perceberam que sua luta pelo direito era a luta pela liberdade. A igualdade de oportunidades, que tanto prezam (a observação calha no momento em que nos lembramos do mártir Luther King) é apenas um instrumento para tornar reais e frutuosas as liberdades. As americanas não podiam abortar, até que a Suprema Corte deu vazão à vontade social no caso Roe vs. Wade e definiu como um direito das mulheres interromper a gravidez até o marco de três meses do embrião, em que ainda não há consciência e não se trata de uma personalidade constitucional. Foi um sensível avanço do direito americano, porquanto, até então, as mulheres providas de recurso abortavam em países em que a prática era permitida, como, por exemplo, em viagens à Inglaterra, enquanto as carentes eram tratadas desigualmente e tinham de conviver com uma gravidez indesejada. Além disso, perceberam os que habitam acima do Rio Grande que de nada valeria um pronunciamento do judiciário pela liberdade de interromper a gravidez se não fossem disponibilizados meios clínicos para tanto, a tal ponto que os conservadores contrários a ideia, controladores de estados-membros, passaram a negar às mulheres esses meios, com o que tornavam meramente retórica a memorável decisão do caso Roe.

Há pouco mais de um século convivíamos com a mancha da escravidão, a mais renitente em nossa realidade continental. Entretanto, certos aspectos históricos não podem ser desprezados. Aos escravos era permitido preparar e comer feijoadas, porém em horários rigidamente controlados pelos senhores. Havia que mantê-los robustos, posto que dessa decisão resultavam seus valores de mercado e sua capacidade laboral. Com a abolição, a escravidão foi substituída, destacadamente nas plantações de café, pelos imigrantes da Andaluzia, sob um regime de prostituição proxenética, haja vista que o pagamento por hora era deixado nos armazéns controlados pelos proprietários das terras.

Não só faltam liberdades em nosso país como uma consciência de sua importância pela maior parte do povo. Um ou outro dia de voto não significa a conquista da vida sob seu signo. Ademais, as opções não são legítimas, porquanto não se elege em nosso país, por exemplo, parlamentares que não tenham despendido nas respectivas campanhas quantias inseridas não na casa de milhares, mas de milhões de reais. Logo, se optarmos por um candidato desprovido dessa condição, certamente continuaremos manietados em nossa vontade de representação política.


Nota do Editor: Amadeu Roberto Garrido de Paula é advogado.

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