A estréia da primeira mulher na Bíblia não chega a lhe valer um Oscar. Eva se deixa tentar pela serpente, come do fruto proibido e induz Adão a fazer o mesmo. A conotação sexual dessa passagem é por demais evidente e gerou um estigma que chegou a nossos dias. Por que coube a Eva a iniciativa da transgressão? De novo, há várias hipóteses. O homem, afinal, foi feito à imagem e semelhança de Deus; a mulher foi confeccionada a partir de uma costela, e sem modelo prévio. O homem surgiu primeiro, a mulher veio depois: diferença de idade que pesa a favor do mais velho. Mas existe ainda um detalhe prático. A mulher, teoricamente ao menos, está sempre pronta para o ato sexual. O homem, não. A ereção, que é o símbolo do poder masculino, é também seu calcanhar-de-aquiles. Depende de disposição, depende de excitação. A mulher pode ser forçada a praticar o ato sexual, o homem não. Esta constatação, mediante aquele raciocínio que os americanos denominam de "to blame the victim", culpar a vítima, transformou-se em acusação. A mulher é violentada simplesmente porque estava no lugar errado na hora errada. E se, além disso, ela se deixar dominar pelo desejo, então o libelo está completo. A clitoridectomia, esta abominável prática ainda tão difundida, tem exatamente este objetivo: eliminar uma evidente fonte de excitação. Mulher tendo prazer? Nem pensar. Comparem a excisão do clitóris com a circuncisão, que também é muito praticada; trata-se de um procedimento que deixa uma marca distintiva, mas que em nada afeta a potência sexual do homem. A narrativa bíblica tratou de reabilitar a mulher através de matriarcas como Sara e Rebeca, de heroínas como Judith (não a minha mulher, a outra heroína) e, no Novo Testamento, com a "mater dolorosa" que é Maria, a mãe de Jesus. Mas estereótipos são difíceis de remover e até hoje as mulheres pagam o preço de sua condição, transformada em libelo acusatório. Mas de novo é preciso lembrar o Gênesis. Quando Adão e Eva deixam o paraíso, a utopia de uma vida sem pecados e sem fraquezas, fazem-no juntos. Juntos (e, supõe-se, de mãos dadas), penetram no mundo real? Em que dia o fizeram? A Bíblia não informa, mas, com toda certeza, era o 8 de março.
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