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Opinião
11/09/2013 - 17h00
O que é preciso saber sobre a tarifa de ônibus?
Irene Patrícia Nohara
 

O reajuste que aumentou o valor da tarifa de ônibus foi o estopim para a eclosão de uma insatisfação contida do povo brasileiro com uma série de outras questões envolvendo a qualidade dos serviços públicos, corrupção, prioridades na pauta das políticas públicas, bem como o próprio sistema representativo, que agora estão em discussão na sociedade civil e nos governos, provocando uma onda de protestos e reivindicações que há vinte anos não se via no País.

O movimento Passe Livre, que encabeçou as primeiras reivindicações bem sucedidas, à medida que o valor da tarifa sofreu redução em São Paulo (e em outras localidades), trouxe à tona uma questão que povoava há tempos o cenário acadêmico da ciência política: a mobilidade urbana será vista como direito social, assim como pretende a PEC 90/2011, ou da perspectiva de mercadoria?

No fundo, discutir esta questão pressupõe não apenas o conhecimento dos critérios utilizados na delimitação da política tarifária, mas principalmente da sistemática legal das delegações, isto é, do regime jurídico dos contratos de concessão e permissão de serviços públicos.

Primeiramente, deve-se esclarecer que o município tem competência constitucional para tratar de assuntos de interesse local, incluindo o transporte coletivo, que tem caráter essencial (art. 30, V, da CF). Depois, tendo em vista que os serviços públicos objetivam satisfazer necessidades coletivas, a delimitação do preço da tarifa não é algo que se forma no “livre mercado”. Dito em outros termos, ela não segue o regime dos chamados “preços privados”, cujos eventuais tabelamentos seriam medidas intervencionistas do Estado.

É próprio da atuação estatal nos serviços públicos considerar nos estudos técnicos que definem a composição da tarifa, além de critérios econômicos, como: preços dos insumos, custos operacionais da frota (operante e de reserva), depreciação dos veículos, salários dos motoristas e cobradores, número de usuários e seu comportamento, também aspectos ambientais e “político-sociais”, como a utilização do transporte público por idosos que usufruem de “tarifa zero” ou o incentivo à mobilidade urbana como fator de desenvolvimento local sustentável.

Assim, a manifestação da política tarifária é sentida em dois momentos: (a) fundamentalmente, na realização da licitação: os critérios são definidos no momento da confecção do edital, com base na lei de concessões, mas o transcurso e o resultado do certame serão determinantes para a delimitação do valor da tarifa, pois o critério do menor valor é, via de regra, observado nas concorrências; e (b) nos reajustes periódicos dos valores das tabelas.

O reajuste submete-se também à mentalidade da política tarifária, sendo alvo de abordagem sob o viés da eficiência das políticas distributivas; por isso, é comum haver subsídio do Estado para barrar aumentos que tornem o valor da tarifa elevado, não obstante os índices de reajuste inflacionários. Em suma, é importante saber que frequentemente o poder concedente “desconsidera” os índices de reajuste contratual, mas, para garantia do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, ele arca com essa parcela dos custos por via reflexa (p. ex., pela desoneração tributária).

Rigorosamente falando, as concessões comuns não facultam contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado, conforme se depreende da interpretação do art. 2 § 3º, da Lei nº 11.079/04, o que significa que tais “auxílios” serão indiretos. É possível, contudo, a articulação da licitação com receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, para auxiliar na redução do valor da tarifa.

Como as licitações contemplam o tripé: (1) busca da proposta mais vantajosa; (2) garantia da igualdade; e (3) simultânea promoção do desenvolvimento nacional sustentável, sendo este o novel objetivo positivado à lei geral a partir de 2010, as tarifas devem ser econômica e socialmente eficientes.

Elas não podem objetivar apenas o lucro, tampouco podem ser consideradas tão somente da perspectiva dos usuários individualmente considerados, pois uma política tarifária equilibrada pondera os benefícios públicos do ponto de vista desenvolvimentista, levando em conta inclusive, haja vista o critério de sustentabilidade, as externalidades provocadas. Estas representam efeitos colaterais de decisões sobre aqueles que não as tomaram.

Ideal seria, portanto, que os cidadãos participassem também dessa discussão. Há locais como Cingapura, por exemplo, que têm conselhos de transporte público, órgãos independentes, que desde 1987 discutem o valor das tarifas e seus reajustes.

As considerações envolvendo externalidades são sempre analisadas em função da política tarifária in concreto. Por exemplo, se do ponto de vista dos transportes uma tarifa zero promove incremento da mobilidade social, no fornecimento de água, tal política tarifária poderia levar ao desperdício por parte daqueles que não têm consciência ambiental, mas somente “consciência do bolso”.

A política da “tarifa zero” é até possível, mas deve-se frisar que ela não é exatamente adequada à sistemática legal das concessões, que repassa o exercício do serviço às pessoas jurídicas ou aos consórcios de empresas que demonstrem capacidade para seu desempenho, por conta e risco, e por prazo determinado; sendo ainda questionável se o atual sistema comportará, com qualidade e regularidade, uma demanda provocada por uma “tarifa zero”, pois, ao menos no município de São Paulo, identifica-se que, mesmo com valor de tarifa elevado, existe sobrecarga de passageiros.

Daí surge uma questão mais delicada ainda e que está sendo investigada pelo Ministério Público, qual é o efetivo lucro das transportadoras com o serviço, se a demanda pelo transporte público não é pequena, haja vista a sobrecarga dos veículos. Entendemos que antes de se discutir repassar eventuais prejuízos do transporte coletivo aos usuários de transporte individual, a partir de onerações tributárias no combustível, importante que a sociedade civil saiba se esse suposto prejuízo a ser coletivizado é real ou fictício/mascarado.


Nota do Editor: Irene Patrícia Nohara é advogada. Doutora e Mestre em Direito Administrativo pela USP. Professora-Pesquisadora do Centro de Pós-Graduação da Uninove. Professora da Pós-Graduação em Direito Constitucional e Administrativo da EPD. Autora de obras publicadas pela Editora Atlas.

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