No livro “desCasos” da defensora pública Alexandra Lebelson Szafir em um capítulo ela descreve a figura de Carnegundes que estava na cadeia sem entender muito bem o que se passava e por que, diferentemente dos outros, não era levado a presença de um juiz. “É impressionante o número de pessoas que ficam presas por muito mais tempo do que deveriam apenas porque são pobres e não podem contratar um advogado. Exemplo muito comum é o dos crimes afiançáveis. Uma pessoa presa por furto se for primário, com residência fixa e ocupação lícita, tem direito a liberdade provisória mediante fiança. Basta requerer ao juiz, e, via de regra, sua soltura leva um dia. Mas para aqueles que não têm advogado é nomeado um defensor público apenas quando o réu é interrogado, o que pode levar três meses, período no qual o acusado sem maior periculosidade fica misturado com toda sorte de criminosos.” Pois eu tive a oportunidade certa feita de auxiliar um Carnegundes dos Pampas, era um senhor que tinha aproximadamente sessenta anos, pobre, que residia na Vila dos Papeleiros com mulher e filhos e que vivia juntando sucata para revender e sustentar sua família. Funcionários de uma empresa de esquadrias conhecendo a necessidade deste homem doavam semanalmente retalhos de alumínio, mas mudou a gerência que resolveu não mais doar e sim juntar para vender e assim foi feito. Desesperado por não encontrar sucata naquele fim de semana, resolveu pular o muro da empresa e sem pedir recolheu os retalhos do pátio, denunciado foi alcançado por uma guarnição da Brigada Militar, preso foi conduzido a delegacia e posteriormente recolhido ao Presídio Central onde aguardou quarenta e cinco dias até a primeira audiência. Trazido pelos agentes, Carnegundes chegou com cabelo desalinhado, calça surrada, barba por fazer e chinelos de dedos. Assustado, ouviu atentamente a denúncia, lida pela juíza, de cabeça baixa sem contestar uma só palavra, o promotor de justiça não questionou o réu e o pior de tudo faltava a figura do defensor público na audiência. A juíza diante do fato entendeu a grave situação e determinou ao escrivão que achasse algum advogado no foro para pedir a revogação da prisão preventiva do acusado, fui encontrado retirando um processo em carga. Solicitado minha participação na audiência, onde meio perdido pois não atuo na área criminal e com o auxílio da magistrada, pedi a revogação da prisão que foi imediatamente determinada a sua soltura. Provavelmente o nosso Carnegundes do Rio Grande do Sul foi absolvido, e graças ao bom Deus não necessitou do polêmico recurso jurídico dos “Embargos Infringentes” como os condenados do Mensalão, que para um “novato” como eu na área criminal seria um Deus nos acuda. Nota do Editor: Ronaldo José Sindermann (sindermann@terra.com.br) é advogado em Porto Alegre, RS.
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