"Pensamento seletivo" é o termo usado para descrever o processo pelo qual selecionamos os dados favoráveis a uma hipótese, enquanto ignoramos os dados desfavoráveis. Este tipo de atitude, na maior parte das vezes involuntária, é a base de muitas crenças em poderes sobrenaturais, incluindo astrologia, grafologia, numerologia, quiromancia etc. James Randi, aquele cético que costuma aparecer no Fantástico, dá o seguinte exemplo: um certo Peter Hurkos espantava as pessoas ao descrever suas casas, suas personalidades e suas vidas, sem que jamais as tivesse visto. Algumas dessas pessoas, admiradas com aquelas proezas, convidaram Randi para ver uma gravação das "leituras". Ele descobriu então que este pseudo-vidente acertara, em média, uma afirmação em catorze. O "pensamento seletivo" tinha feito o restante do trabalho. Eram crentes que precisavam acreditar que aquele homem tinha poderes genuínos e, portanto, apesar das evidências indicadas por Randi, continuaram admirando o charlatão. Provavelmente o "pensamento seletivo" está por trás da crendice que as pessoas, muitas vezes de nível intelectual elevado, dispensam aos postulados marxistas, baseados na planificação e no intervencionismo estatais. Elas parecem realmente acreditar que esse é o melhor caminho para atingir aquilo que a utopia esquerdista chama, gloriosa e solenemente, de justiça social, a despeito de todas as evidências em contrário. Devo confessar já ter quase esgotado o meu manancial de argumentos tentando mostrar a alguns amigos a ineficiência desse caminho. Aprendi, pela experiência, o quanto é difícil opor razão e lógica à fé. Sim, pois o marxismo já deixou de ser uma doutrina há muito (pelo menos desde que os primeiros economistas da Escola Austríaca invalidaram, cabal e insofismavelmente, a velha teoria do "valor-trabalho", na qual Marx baseou toda a sua lenga-lenga da "mais-valia"), para tornar-se uma crença repleta de dogmas.
Entretanto, recentemente ocorreu-me que talvez a melhor estratégia fosse tentar alguma forma de raciocínio comum, e não apenas desfiar um rosário de argumentos que, provavelmente, suas mentes descartariam de imediato por conta do "pensamento seletivo". Então, durante um debate, pedi a um deles que pensasse em quantos servidores públicos conheceu na vida, a respeito dos quais pudesse dizer, sem qualquer margem de dúvida, que se tratasse de um sujeito ao mesmo tempo inteligente, competente, honesto, trabalhador e que pensasse primeiro no bem estar geral para, somente depois, pensar nos seus próprios problemas, sua família, anseios, projetos, rendimentos etc.? Muito poucos, ou talvez nenhum, foi a resposta honesta. Porém, contra-argumentou que este não era um "defeito" apenas dos funcionários públicos e dos políticos, mas da humanidade em geral. Concordei que ele estava absolutamente correto, que somos todos congenitamente egoístas, uns mais, outros menos, mas todos egoístas. Pensamos primeiro em nossas famílias, depois em nossos amigos e assim sucessivamente (o que, aliás, não é nenhum crime, mas isso é conversa para uma outra oportunidade). Muitos fazem caridade, é certo, mas normalmente apenas após a satisfação das suas próprias necessidades e interesses. Ou alguém duvida que Irmã Dulce e Madre Tereza de Calcutá são as exceções, não a regra? Diante dessa conclusão comum, procurei enfatizar que os liberais, sabendo que os servidores públicos e os políticos, ao assumirem seus cargos, não são ungidos por Deus com os dons divinos da sabedoria, da honestidade, da abnegação, da lealdade ou do altruísmo, preferem deixar que os homens sejam livres. Livres até para errar, mas arcando com os custos dos seus próprios erros e não, sendo forçados a pagar pelos erros dos outros. Expliquei-lhe que a essência desse modo de entender a política e a economia, conforme muito bem resumido pelo professor Carlos Alberto Montaner, "está em não determinar previamente para onde queremos que marche a sociedade, mas em construir as instituições adequadas e liberar as forças criativas dos grupos e dos indivíduos para que estes decidam, espontaneamente, o curso da história. Por isso, os liberais não têm qualquer plano ou desenho para o destino das sociedades. Ademais, lhes parece muito perigoso que outros tenham tais planos e arroguem-se no direito de decidir o caminho que todos devemos seguir, como é próprio das ideologias marxistas." O debate acabou nesse ponto. Logicamente, não o transformei num liberal da noite para o dia, mas estou certo de que uma semente, pelo menos, eu plantei. Já é alguma coisa, principalmente se considerarmos a costumeira impenetrabilidade das mentes coletivistas. Nota do Editor: João Luiz Mauad é empresário e formado em administração de empresas pela FGV/RJ.
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