Chego ao pequeno jardim da minha simples morada e passo os olhos na velha mangueira que existe em sua frente, mas pelo lado de fora, na calçada. Uma certa dose de ternura inunda todo o meu íntimo por vê-la, há tantos anos, ali fincada, resistindo ao tempo e às investidas do sol e da chuva. Firmou-se, quanto a isso não há nenhuma dúvida, entre mim e o abandonado vegetal de rua, uma amizade, posso dizer, muda e de mais de trinta anos feita com ternos olhares e cobiça dos seus frutos pequeninos: as manguitas, em época de produção. A sua existência já me pôs, inúmeras vezes, em discussão com a molecada de rua, por jogar-lhe pedras, ameaçando os vidros das janelas da minha casa, como também a quebra dos seus galhos e derrubada das folhas, quando algum mais ousado resolve subir para alcançar-lhe as apetitosas mangas. E várias vezes, já ouvi a mesma frase: "A mangueira não é sua..." Interessante: não consigo me convencer de que ela não é minha, é da rua e de fato do povo. Embora não se encontre no meu acolhedor jardim, não sei por que, mas sinto uma certa idéia de posse sobre a sua existência e dói, dentro do meu ser, tentar me conscientizar de que isso não é verdade. Quando cheguei à rua onde moro, ela já existia e tinha um quê de envelhecida: opaca e "encupinzada" como a encontrei. Poupei-lhe a vida, não quis que a tirassem do meio da estreita calçada. Por sinal, não é comum, cidade afora, ver-se uma mangueira no meio de uma faixa estreita, pavimentada. O certo é que ela continua firme, e ninguém nunca reclamou da sua vetusta imponência, vez por outra, podada apenas pelos homens da COELCE para não prejudicar a fiação. Atrai muitos passantes, quer cidadãos cansados, pedintes mastigando alguma coisa, quer funcionários de um hospital quase de frente que, à sesta, vêm repousar à sua sombra, antes de retornarem a seus serviços. Por que a sombra da "minha mangueira" é o local preferido por eles, mais até do que o próprio interior do hospital? Provavelmente, repousar-se, numa hora daquela, sob a copa de uma árvore, é bem mais agradável do que enfrentar a mesmice e o insuportável odor de éter de uma casa de saúde. Só penso no dia em que ela precisar ser cortada por algum motivo. A rua, certamente, ficará mais feia, mais pobre, sem a beleza de uma mangueira sempre verde, sem a sombra para algum carro ou passante. Morrerá, também, alguma coisa dentro de mim, pois aprendi a considerá-la, vislumbrar o tom cambiante das suas folhas, conforme a posição do sol. Pelos motoristas, uma vaga sob a sua copa também é bastante disputada, ficando, a maioria das vezes, o meu carro noutro local, uma vez que a sombra da mangueira está sempre ocupada, durante o dia, mormente sol a pino. És minha sim, ó mangueira defronte à minha casa e, se não morreres de velha ou de algum mal, não deixarei que ninguém te serre o tronco, deitando na indiferença da terra o teu contorno comum, mas verdejante. Criarei, garanto, o maior dos casos, se o que temo vier a acontecer um dia!
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