O físico inglês Stephen Hawking admitiu a conquista da eternidade, segundo notícia de “The Telegraph”. O cérebro dos homens pode ficar registrado para sempre, mesmo depois da morte, no disco rígido de um computador, ao qual seria transportado. Hawking admite que a tarefa ainda se encontra “além de nossas capacidades”, mas desbanca o questionamento da vida após a morte: “só é um conto de fadas para quem tem medo do escuro”. Tudo o que se passou, minuto a minuto, segundo a segundo, por nosso cérebro (reflexões, instintos, amores, prazeres, ódios, temores, sensualidades, apetites etc.) desfilará à frente do conhecimento alheio. E vice-versa. Todos os segredos desmancharão no ar. Conquistaremos a vida eterna. Ou seremos conquistados? Nus. A cópia do cérebro será generosa e implacável. O outro poderá nos enaltecer ou detrimentar. Seremos expostos como anjos ou monstros. O capacete protetor das ideias foi descartado. Seremos eternos ou revelados em nossas entranhas mais íntimas para todos os homens e por toda a eternidade? Pelo mesmo caminho segue o bilionário russo Dmitry Itskov que, em 2011, constituiu uma ONG destinada a réplicas robóticas da vida; também o grupo científico Brain Foudation se ocupa da conservação do cérebro e de suas memórias, tal como o Google e seu braço de pesquisas Calico, objeto de reportagem de capa da Revista Time. É irresistível a lembrança de manifestações teológicas. A realidade contemporânea demonstra a mera especulação platônica e maniqueísta de Santo Agostinho, para quem o caminho do conhecimento provém da moderação e da aquiescência humilde ao domínio de Deus. Somos seus serviçais obedientes e não devemos ter a pretensão de compartilhar sua natureza ciente e consciente. O contrário foi pontuado por Santo Tomás de Aquino, que põe o homem em paridade com a natureza divina e eleva sua razão para comungar da inteligência do ser supremo. Santo Tomás se posicionou próximo de nossos cientistas da atualidade. Ganharemos a eternidade ou seremos rigorosamente expostos durante todo o jogo, eis a questão. Nossos pensamentos mais recônditos, ora generosos, ora sórdidos, todos estarão escancaradamente expostos a nossos pais, irmãos, cônjuges, filhos, amigos, concidadãos. As surpresas serão profundas e recíprocas. Não seremos eternos, mas sim nossa intimidade. E devassados. Quantas vezes ao dia não acionamos o freio de nosso cérebro para respeitar o outrem e não sufocamos nossas inclinações moralmente torpes? Os males produzidos por nossos cérebros ficam por ele mesmo represados, ainda que as vidas diárias não passem de grandes mentiras e hipocrisias. Porém, elas têm curso e a sociedade sobrevive no seio de limitações suportáveis. Tocamos em frente, escondidos e dissimulados. O disco rígido porá abaixo o recôndito das almas. O juízo final não poupará ninguém. Virão ao palco iluminado os anjos e os demônios. Censores e censurados coabitarão a planície comum. O código ético da vida deverá ser totalmente reformulado e a compreensão tomar o lugar da grande maioria dos valores. Talvez conquistemos a liberdade eterna. Ou nos tornaremos uma alcateia sangrenta, fundada na intolerância dos pensamentos íntimos, ainda que os donos dos cérebros tenham acionado seus já inoperantes mecanismos de contenção prudentes que permitiram, até hoje, a vida social – esteada em mentiras, mas vida. À espera de um novo Leviathã. Todavia, preferimos crer na ciência. Sua ética desconstrutora serão as raízes da verdade e do consenso eterno. Todos estaremos expostos a todos no interior do núcleo rígido do computador, porém, como pontuou Borges, “esta noite, não distante do cume da colina de Saint Pierre, uma valorosa e venturosa música grega acaba de revelar-nos que a morte é mais inverossímil que a vida e que, portanto, a alma perdura enquanto seu corpo é caos... Com vinho tinto brindamos a tua saúde. Não fazia falta tua voz, não fazia falta o toque de sua mão nem tua memória. Estavas ali, silencioso e por certo sorridente, ao perceber que nos assombrava e nos maravilhava esse fato tão notório de que ninguém pode morrer. Estavas ali, ao nosso lado, e contigo as multidões dos que dormem com seus pais, conforme lemos nas páginas de tua Bíblia... Como pode morrer uma mulher ou uma criança, que foram tantas primaveras e tantas folhas, tantos livros e tantos pássaros e tantas manhãs e noites? Esta noite posso chorar como um homem, posso sentir que por minhas faces as lágrimas escorrem, porque sei que na terra não há uma única coisa que seja mortal e que não projete sua sombra (virtual). Esta noite disseste-me sem palavras que devemos entrar na morte como quem entra em uma festa.” Nota do Editor: Amadeu Roberto Garrido de Paula é advogado.
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