Estou em busca de um mestre. Entenda isso da forma mais oriental possível: refiro-me a um mestre que determina aquilo que o discípulo fará, e é através dessas determinações que este desenvolve alguma maestria. Normalmente essa busca não tem sucesso; quando o discípulo está pronto, o mestre aparece, o que sugere que se faça um vôo solo com a esperança de um dia ser observado por alguém disposto a compartilhar sabedoria e conhecimento. A existência de um mestre não dispensa o discípulo de se esforçar para seu próprio crescimento. Vontade, humildade, disciplina, estudo - estas virtudes, muito individuais e ordenadas dessa forma, ainda são fundamentais para o discípulo tornar-se mestre. E de algum modo tenho a impressão de que verdadeiros mestres só aceitam ensinar discípulos que já trazem em si o germe da maestria. Talvez minha busca não dê em nada e, além do mais, estudar implica o risco de perceber, quando se chega a um nível razoável de conhecimento, que determinada matéria não serve para nada. É mais ou menos isso que ocorre quando concluímos o ensino médio - outrora ensino de 2º grau. Com o certificado nas mãos, tem-se a impressão de saber tudo e ao mesmo tempo nada, tamanha é a quantidade de conhecimento inútil que se acumula em onze anos de estudo propositalmente genérico. O ensino tradicional é o oposto daquilo que pode ser vislumbrado em histórias zen e em escolas tradicionais de artes orientais. Professores do ensino médio não são mestres, são pessoas simples e especializadas em transmitir de forma mais palatável o conteúdo de livros didáticos ruins, que falam da Guerra do Paraguai, de catetos e hipotenusas, da tabela periódica, de mitocôndrias e de mil assuntos cuja utilidade depende menos de suas escolhas profissionais futuras do que de sua decisão simples de prestar ou não prestar um vestibular. Se você pretende prestar, estude. Se você não pretende, reconsidere as razões que o puseram no caminho em que está. Se tempo é dinheiro, onze anos de ensino fundamental e ensino médio podem ser melhor aproveitados ao lado de um mestre. Leva-se em média cinco anos para adquirir um diploma de nível superior - para tornar-se arquiteto, bacharel em filosofia, biólogo ou engenheiro metalúrgico. E ao fim deste período você está sozinho. Não há mestres ao seu redor, tampouco aquele tipo de fidelidade encontrada em escolas tradicionais de artes orientais. Você não tem por que se manter próximo de seu professor da faculdade, dedicando-lhe esforços e recebendo suas lições até o fim da vida, mas teria razões de sobra para permanecer perto de seu mestre até o fim da vida. Pois um mestre ensina o tempo todo. Um professor só ensina quando é pago para isso. Não há aqui nenhum juízo de valor; o problema não está em cobrar alguns reais para transmitir ensinamentos, mas no modo como cada um encara a responsabilidade de ensinar. É por isso que busco um mestre. Há também uma razão muito humana para buscar um mestre. Professores e alunos não mantém relações, não há nada que lhes diga que isso é necessário e, de fato, poucas se esforçam para que isso aconteça. Salas de aula são organizadas como teatros, em que a divisão platéia-artista deixa claro quem deve conduzir o show. Um mestre dispensa essas divisões e muitas vezes ele estará ao seu lado, fazendo exatamente aquilo que você quer fazer. A hierarquia começa onde o respeito termina. A maioria dos estudantes não toma seus professores como modelo; a maioria não pretende se tornar professor. Todo discípulo toma seu mestre como modelo; ele pretende ser igual a seu mestre. Não é necessário dividir espaços, colocá-los em espaços diferentes, direcionar e imobilizar a visão do discípulo; ele só tem olhos para as lições do mestre. No ensino tradicional, baseado na relação professor-aluno, a disciplina e o respeito são mantidos através da força e da autoridade. No ensino das artes orientais, baseado na relação mestre-discípulo, a disciplina e o respeito são mantidos através do próprio ensino e da percepção, simples e fundamental, de que o mestre sabe mais e de que ele encarna o objetivo perseguido pelo discípulo. Não há dúvidas sobre o ponto onde se pretende chegar: este ponto é o mestre que está diante de você transmitindo seus ensinamentos. Seguir um mestre significa trilhar um caminho longo que se estende do discípulo até o mestre. Em escolas comuns a maioria dos alunos pretende seguir um caminho que o leve para longe da sala de aula. Tenho consciência de que minha busca não deverá me levar muito longe. Há diversas pessoas ao meu redor que são dignas de respeito e nas quais vejo maestria, mas nenhum mestre, na acepção mais oriental do termo, alguém que encarne uma arte a ponto de não podermos definir quem é o artista e o que é a arte. Todos, de uma forma ou de outra, submetem suas vidas às necessidades comuns - trabalhar, conseguir dinheiro, viver, descansar para reiniciar o ciclo. Talvez um mestre pudesse ser reconhecido hoje pela capacidade de lidar com suas necessidades, de dominá-las em vez de se deixar dominar por elas, e assim praticar sua arte, sem obstáculos e rodeado de um punhado de discípulos ligados a ele do mesmo modo como um fruto verde se liga a uma árvore milenar.
Nota do Editor: Christian Rocha vive em Ilhabela, é arquiteto por formação, aikidoka por paixão e escritor por vocação. Seu "saite" é o Christian Rocha.
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