O objeto estranho que veio estremecer as eleições presidenciais de 2014, consistente na vinculação entre Marina Silva e Eduardo Campos, capaz de gerar abalos em todos os nichos da tradicional e invariável política brasileira, pede que seus articuladores, sem demora, apresentem à nação brasileira uma clara e precisa declaração de propósitos políticos. Bertrand Russel definiu um objeto externo como um sistema circular, irradiante, de impressões possíveis; impressões, neste caso, de autenticidade, de demagogia, de superação dos atuais problemas nacionais, de mesmice, de compatibilidade entre os ideários partidários, de contradições, de fatos passados reveladores de incongruências, que serão explorados por seus adversários etc. Além disso, se as teses, quando antepostas a antíteses e inteligentemente evoluídas para sínteses, implicam necessariamente em transigências relativamente às finalidades originárias, no caso das alianças políticas reclamam esclarecimento às respectivas bases, num primeiro momento para acalmar segmentos frustrados. Diz-se provocativamente que o bom acordo não é aquele em que ambas as partes saem satisfeitas, mas insatisfeitas. A insatisfação de seu constituinte é bem esclarecida pelos advogados experientes. Sob um espectro de interesses mais amplos, urgente declaração de propósitos políticos, a ser emitida pelas direções da não registrada Corrente e do Partido Socialista Brasileiro deve envolver uma síntese de propostas compreensíveis pelo eleitorado e demonstrativa da possibilidade de o Brasil superar os graves problemas que atingem o atual governo, devidamente dissimulados por quem faz o diabo para reeleger-se. De certo modo, tanto Eduardo Campos com Marina Silva têm adiantado as posições comuns sobre esses problemas, porém de modo tópico. É necessário um patamar sólido de proposituras, nas quais os eleitores devem confiar por confiar na honestidade política dos novos atores do cenário nacional. Daí a imperatividade de um pronunciamento sobre: a) o papel que o Estado deve exercer em relação à economia, deixando-a livre de pressões e consequentes solavancos e incertezas, reservando-se à iniciativa privada seu espaço de liberdade com segurança jurídica; b) administração inteligente e reformada da coisa pública, de modo que os planos traçados no papel se transformem em realidade, sem que a corrupção e a inépcia paralisem importantes obras, como hidrelétricas, estradas, portos etc., com revogação e substituição da lei de licitações e proibição de aditamentos marotos que as fraudam; c) reforma política, com a extinção do instituto das reeleições, a adoção do voto distrital misto, o “recall” e a estimulação de um amplo debate nacional destinado a novo pronunciamento sobre o regime parlamentarista de governo; d) declaração peremptória no sentido da inexistência de incompatibilidade entre o desenvolvimento da indústria, da agroindústria, da construção civil e de outras modalidades de se fomentar nosso desenvolvimento econômico com uma rigorosa preservação do meio ambiente brasileiro, que importa ao mundo como um todo, simbiose de clarividência política que exige a edição urgente de lei e atos administrativos fundados em valores técnicos e administrativos superiores às garatujas até hoje pouco esclarecidas do Código Florestal; e) a velha e batida, mas ainda necessária, proposta de mudanças significativas no campo da saúde e da educação; f) a implementação de uma infraestrutura pública compatível com o grau de desenvolvimento que se exige de um país do tamanho do Brasil, que permita a fluência das atividades econômicas e a solução de problemas sociais elementares, como o saneamento básico, faltante na metade dos lares brasileiros; g) uma nova visão das relações internacionais, fundadas no conceito de multiplicidade e não de arranjos bilaterais, determinados por razões ideológicas ou, mais precisamente, por aproximações populistas, com reativação de nossas relações com os EUA e nossa integração ao sistema mundial de política de serviços, como acaba de fazer o Uruguai. Trata-se, evidentemente, do resumo apertado das práticas mal-ajambradas do atual governo cujos resultados devem ser desconstruídos ou de suas omissões que carecem de saneamento. O povo do Brasil aguarda um governo que marche em sentido diametralmente oposto ao do atual, com seriedade e responsabilidade. Considerando-se que Marina Silva o serviu, é preciso demonstrar que as pedras do castelo serão outras. Por outro lado, há quem precise ouvir da ex-ministra que não é seu propósito privilegiar a mantença de uma aldeia silvestre para salvar o mundo, com sacrifício do bem-estar de nossa comunidade. Da parte de Eduardo Campos, uma grande parte do eleitorado, sobretudo do sudeste e da área empresarial, está carente de definições concretas sobre a economia de mercado e o teor que uma proposta partidária rotulada de socialista pretende dar à relação do Estado com iniciativa privada, tema sobre o qual o candidato já se manifestou, porém, como já apontado, apenas lateralmente. Essa definição de propósitos, concludente e exauriente tanto quanto possível, é imprescindível à superação das dúvidas e indecisões das bases partidárias, por um lado, e, por outro, ao grau de credibilidade do eleitorado na nova fórmula eleitoral. É certo que os eleitores já foram ludibriados pela “Carta aos Brasileiros” do PT, mas nada nos diz que a política sofre do mal de um determinismo absoluto. Nota do Editor: Amadeu Roberto Garrido de Paula é advogado.
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