Que o presidencialismo é incompetente para resolver conflitos políticos em sociedades marcadas por divergências internas é coisa mais do que provada. Sua única possibilidade de sucesso ocorre onde há amplo consenso social sobre temas essenciais e as circunstâncias históricas tenham produzido bipartidarismo. Fora disso, é fonte de instabilidade. O que a mim espanta é que os analistas políticos da América Latina jamais tenham estabelecido relação entre o atraso das nações do continente e as instituições políticas que homogeneamente adotaram. Elas atravessam os séculos procurando o príncipe encantado que conduzirá seus súditos à prosperidade. Enquanto ele não aparece vão elegendo caudilhos, demagogos e líderes populistas (grandes privilegiados pelo sistema) para, logo após, se exasperarem com a incompetência, a corrupção e a irresponsabilidade que os caracteriza. Incapazes de perceber onde está o erro, transferem as culpas a algum inimigo externo, ele sim, representante de seus tormentos e causador de suas desgraças. Jamais, ao longo das décadas, qualquer povo deste continente produziu seu "mea culpa". Criticam os Estados Unidos em tudo e os responsabilizam por quase tudo. Vociferam contra os resultados dos pleitos norte-americanos tanto quanto se arrependem dos respectivos resultados nacionais. Mas copiaram (muito mal copiado, aliás) o modelo político ianque. Como conseqüência, são incapazes de distinguir chefia de governo de chefia de Estado, confundem democracia com eleição direta do príncipe encantado, se exasperam com a corrupção moral que sistematicamente contamina as práticas políticas e não percebem que o sistema adotado é o agente determinante dessa miséria moral. Nos últimos vinte anos, após o fim da Guerra Fria e extinto o ciclo dos governos militares, apenas o Chile e o Uruguai não experimentaram gravíssimas crises institucionais. Vale dizer, mesmo sob normalidade constitucional, o continente não encontra estabilidade política e convive com periódicos colapsos da governabilidade. A Bolívia é o mais recente exemplo. O cocaleiro Evo Morales, demagogo local, vem paralisando o país, causou a renúncia do presidente eleito e quase conseguiu derrubar seu substituto, Carlos Mesa. Este, aliás, cometeu enorme equívoco que a médio prazo vai incendiar a nação: tendo assumido após os conflitos de outubro de 2003, prometeu solenemente que não usaria de força contra as agitações locais. Ora, se há um monopólio do qual o Estado não pode abrir mão é o monopólio da força porque, se o fizer, estará abdicando de defender a sociedade. O cocaleiro Evo Morales, amigo de Chávez, Lula, Fidel e Kadafi, continuará, portanto, infernizando a Bolívia. Alguém acha que isso vai acabar bem? Nota do Editor: Percival Puggina é arquiteto, político, escritor e presidente da Fundação Tarso Dutra de Estudos Políticos e Administração Pública.
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