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Crônicas
16/03/2005 - 19h40
Somos plenitude!
Chico Guil - Agência Carta Maior
 

As flores que resultam dessas invasões dos cipós sobre as árvores livres não me deixam criar uma comparação adequada com a realidade humana. Talvez se considerar a trama de braços que se apóiam mutuamente, sem quaisquer critérios morais, e que resultam muitas vezes em shoppings, shows, espetáculos, obras faraônicas, sim, a metáfora é válida. A trama levou a arranjos de belíssimo colorido!

A mídia está aí para justificar todo tipo de amarração que traga bons resultados econômicos. Seguimos nossas tendências animais para compor os cipoais financeiros. As máfias são compostos orgânicos, nos quais não se vê qualquer resquício moral. Como nos jogos de futebol, nas máfias políticas, como nas empresariais, o que vale não são os fatos, mas somente o que o juiz apitou. E veredictos, todos sabem, são produtos marcados com código de barra.

Estou perguntando-me se essas árvores que nascem e crescem ao acaso, nos campos abertos, ou no tecido fechado das florestas, que põem a si o propósito de erguer-se tão próximo às nuvens quanto possível... o que revelam de si mesmas, como a força criadora que as trouxe de antigas gerações para o agora? Ou o que fazem os empresários, estendendo os braços, abarcando com suas lojas as casas do centro, tocando as famílias para as periferias, erguendo edifícios de dois, três, depois dez, quinze andares?

Tenho essas perguntas porque estou num ponto realmente crucial da minha vida. Estou aqui para desfrutar, ou para compreender? Estou aqui para interpretar ou para construir? O que me faz diferente de qualquer desses animais de duas, quatro, seis e até oito patas, e até aqueles sem patas? Não me diga que é o raciocínio, o espírito, essas bobagens. Não me sinto com espírito superior aos quero-queros, que nos crepúsculos deste verão resolveram fazer piruetas aqui perto de casa, para me fazer inveja de não ter asas.

Sei realmente pouco sobre os espíritos. Algumas vezes penso que os vejo passarem rapidamente pela rua, montados em bicicletas, mas eles nunca param para conversar. O único espírito com o qual tive contato real, físico, e que vejo fortalecer-se a cada eleição, é o espírito de porco.

Afora todas as imposições da mídia, a crescente necessidade desses novos objetos inventados pelos chineses, japoneses e americanos, que impõem também a necessidade de ganhar dinheiro para poder comprá-los, quero acreditar que estamos mais ou menos como essas árvores e animais primitivos, destilando a terra, fragmentando as possibilidades para uni-las em algo tão doce como o canto dos siriris, o perfume das flores da kataia, o aconchego de dois filhotes no ninho, perigosamente expostos aos severos imprevistos da Natureza...

Apesar dos muros, guardas, radares, infravermelhos, antimísseis, antidepressivos, a humanidade não respira aliviada. Não há muros que garantam a segurança, e eu acho isso ótimo! Eu acho bom que tudo caia, num grande estrondo, essa superestrutura de proteção ineficaz, esses grandes tratados científicos, essas grandes redes de supermercados, essa grande farsa chamada rede integrada de computadores, essas religiões manchadas de sangue, esse carnaval infindável onde se vêem tantos risos, e tão poucos sorrisos!

Olhe para o indivíduo, destacado do grupo, indague sobre suas sensações verdadeiras, procure-o no instante em que se projeta no espelho antes de dormir, pergunte-lhe o que respira, se ainda sente o cheiro primitivo do ser que realmente é, por baixo de duas toneladas de camuflagem!

Intoxicados pela TV, todos querem ser show, man! Mulher de verdade usa cabelos lisos e anda na passarela das ruas trançando as pernas como as lhamas, um pé na frente do outro, como Gisele Bünchen; homem de verdade usa brinco e outros piercings! Qualquer cidadão de calça e chinelo que se sente no banco da praça para simplesmente contemplar a beleza do casario é uma besta, não serve para a vida on-line, onde todas verdades somente podem ser ditas em off.

Tornou-se condenável pensar, ou, melhor dizendo, admitir que se pensa! Emitir pareceres sobre sentimentos primitivos, nem se fala. Mas eu quero sentir primitivamente. Quero contemplar a beleza serena ou arrebatadora dos espetáculos naturais até o êxtase, até perder a capacidade de exprimir-me em palavras, e que me chamem de louco! Eu responderei para o psiquiatra de plantão: - Eu vi a Margarida! Vi a essência do estar profundo de ser branca, costurada de pétalas. Eu rodopiei no dorso da mariposa marrom-laranja que todas as noites invade minha casa. Senti a textura dos pêlos finos, que são feitos de outros pêlos ainda mais finos, e me balancei durante o vôo alucinado que ela promoveu em torno da lâmpada até esborrachar-se contra a parede. Não me falem em rodas gigantes, montanhas russas, pois cavalguei nas asas da curucaca, despedacei-me nas copas do eucalipto, viajei na seiva do angico, rodopiei nas águas da cachoeira, fiz-me pedra por cinco mil anos, experimentei estar fincado na terra ao lado do rio vendo as águas passarem eternamente.

Nem isso, a pedra imóvel, que se desagrega na lentidão, podemos imitar. Se um homem apresentar-se estático durante alguns minutos, corre o risco de ser internado, ou atropelado. Não nos foi dado o privilégio de sermos plenitude! Não somos o beija-flor que paira brilhante e pleno sobre as bordas do hibisco. Não temos as cores da arara, a leveza da jaguatirica, e nem mesmo a fúria da tempestade. Quando muito, somos os inventores das naves espaciais, das logomarcas e outras aberrações.

A força que proclama nossa suposta inteligência, ou o "espírito" empreendedor que nos põe a construir desesperadamente, talvez nos prepara algo mais humano, digno da plenitude que invade meu peito sempre que sinto ventando no rosto as sinfonias de Beethoven.

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