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SEÇÃO
Crônicas
01/11/2013 - 09h05
Da madrugada ao anoitecer
Rangel Alves da Costa
 

Quem conhece ao menos um pouquinho da rotina sertaneja, daquele cotidiano tão singelo e encantador, sabe muito bem que o dia parece terminar mais cedo para aqueles que moram nas áreas mais afastadas, pelos roçados, pelas fazendas e escondidos. E do mesmo modo sabe que o despertar da labuta se dá antes mesmo do alvorecer.

O sertanejo desperta antes mesmo de o velho galo cantar e ainda na escuridão já está fazendo o primeiro sinal da cruz. Ainda tudo escurecido e ele já com a luz no pensamento, a madrugada ainda se findando e ele já nos seus primeiros afazeres no interior da moradia, pois mexendo numa coisa e noutra para mais tarde nada ser esquecido no começo da lide.

Acende o fogão de lenha, arruma um tronco ou outro pelo quintal, despeja uma cuia d’água por cima das plantas medicinais, coloca água na chaleira e espera o momento certo de despejar o pó de café. Foi-se o tempo de café pisado em pilão, grãos batidos e peneirados ali mesmo no quintal e depois derramados na água para fazer subir o cheiro inconfundível, gordo, saboroso demais.

História que ouvi por lá, mas dizem que o gado se lambe todo quando aquele aroma se espalha pelos arredores. O cheiro perfumado do café de pilão sertanejo é tão inebriante que a natureza se sente prazerosamente servida ao alvorecer e entardecer. Dizem que um viajante bateu à porta e ajoelhado implorou ao menos um gole daquela dádiva enegrecida. Depois de servido, ofereceu tudo que levava no alforje por outro gole. E levava moeda de ouro.

Quando o sol se levanta muito do dia já está feito. A partir do alvorecer já é rotina correndo em linha reta, num desassossego que só, e tudo para garantir o pão de cada dia. E que sofrimento meu Deus, que padecimento pra colocar no prato de estanho um tiquinho disso ou daquilo. Quando chove e a safra é boa, então não há que reclamar de nada nem desejar o existente no mundo lá fora. A maioria se basta no pouco que tem.

O dia corre com a feição do tempo. Se lá fora o sol está ameaçador e a ponto de engolir tudo, então nada resta a fazer que não esperar o tempo passar ligeiro e as sombras começarem a descer pelas malhadas e descampados. Mas se a horizonte está nublado, então o coração caboclo pulsa mais rápido, esperançoso, e os olhos sertanejos passeiam ao longe na esperança de avistar nuvem de chuva. E se há ronco de trovão a vida é uma festa só.

Contudo, os dias sertanejos geralmente possuem a mesma feição. O sol lá em cima, o calor lá embaixo, tudo querendo entristecer, perder o viço, esturricar de vez. Daí que a partida do sol é sempre um alívio pro bicho e gente, pois o sombreado do fim da tarde sempre vem acompanhado de um sopro mais confortante, de um frescor que ameniza a quentura da terra. E é a partir do entardecer que uma magia parece descer sobre aquelas terras distantes.

Quando o sol vai descambando rumo ao descanso noturno e os seus últimos raios pincelam por entre as nuvens labaredas vermelho-alaranjadas, já é momento de o sertanejo estar observando tudo de sua moradia. Defronte à tapera, sentado em tamborete, numa pedra grande, ao lado da porta ou simplesmente caminhando pelos arredores, a tudo observa, e sempre maravilhado.

O cheiro de café novamente sobe pelos ares, os bichos barulham nos seus recolhimentos, a natureza se move embalada pela aragem e canta uma canção pra ninar seus mistérios. Apenas um pouco mais das cinco horas da tarde e a quietude já vai avançando rumo ao silêncio da noite. Depois das seis já será noite completa, fechada, escurecida, num portal entreaberto para outras maravilhas sertanejas.

Eis que a lua imensa desce dourada e plangente, eis que a mata parece cantar, eis que o silêncio do instante convida aos costumeiros passatempos. O radinho de pilha com uma velha canção; a viola de pinho trazida à mão para despertar saudosos sentimentos; o vizinho que chega para um proseado; um gole de pinga para fechar a cortina do dia. Ainda é noite nova e já tão envelhecida. E não demora muito para que as portas sejam fechadas e a escuridão silenciosa reine naqueles quadrantes.

Lá dentro um candeeiro aceso. A chama embalança até apagar. Tudo escuridão. Somente a lua reinando naquela imensidão. E ainda não é nem oito da noite.


Nota do Editor: Rangel Alves da Costa é poeta e cronista. Mantém o blog Ser tão / Sertão (blograngel-sertao.blogspot.com).

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