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Crônicas
16/11/2013 - 10h02
Cavalos contra canhões
Rangel Alves da Costa
 

Quando saiu ileso da chacina de Angico em 38, episódio que pôs fim ao cangaço e custou a vida de Lampião, Maria Bonita e mais nove bandoleiros, o cangaceiro Cajazeira começou a cimentar uma carreira pessoal tão própria dos jovens rebeldes e sonhadores. Certamente não sabia que dali em diante viveria acossado e perseguido e cerca de quinze anos depois teria que colocar cavalos para enfrentar canhões.

Apelidado no bando de Lampião como Cajazeira, caminho trilhado ainda jovem e acompanhado de sua bela esposa Enedina, o seu nome de batismo era José Francisco do Nascimento, também conhecido por Zé de Julião. Era filho, pois, de Julião do Nascimento e Constância do Nascimento, família das mais abastadas da povoação sertaneja de Poço Redondo, então distrito de Porto da Folha.

De tanto presenciar a polícia volante maltratando pobres sertanejos, violentando inocentes para que dissessem acerca do paradeiro do bando cangaceiro e extorquindo impiedosamente os pequenos e grandes proprietários de terras e rebanhos, o filho de Seu Julião tomou uma drástica decisão: iria entrar no bando de Lampião precisamente para dar o troco àquela volante injusta e desumana. E cumpriu com o prometido.

Estava presente na Gruta do Angico na madrugada de 28 de julho de 38. Conseguiu fugir, mas não conseguiu livrar sua esposa das balas famintas. Após a chacina, cangaceiros foram presos e os fugitivos se viram rastreados pela polícia, e por muito tempo. Cajazeira, ou Zé de Julião, desolado pela perda da esposa, decide não se entregar e foge para o sul da Bahia. Contudo, não demora muito e toma o caminho de volta para o seu Poço Redondo. Não sabia que o sanguinário sargento Deluz, perseguidor voraz de ex-cangaceiros, está à sua espera.

O desalmado militar, contudo, não consegue colocar as mãos no filho de Seu Julião. Mas era perigoso demais continuar se escondendo. Seu destino foi o Rio de Janeiro, onde foi de servente a empreiteiro em pouco tempo. Contudo, recebe a notícia da morte do pai e tem de retornar para resolver problemas de herança e dar um basta naquela mania de perseguição do sargento Deluz. Dizem que “molhou a mão” do malvado e resolveu a questão.

Retornou aos negócios no Rio, mas já com a intenção de logo fazer o caminho de volta e colocar em prática um sonho antigo: ser prefeito de sua terra natal. Mas isto só seria possível quando a povoação fosse desmembrada das terras buraqueiras, o que ocorreu em 1953. Portanto, já havia se passado cerca de quinze anos do fim do cangaço quando Poço Redondo foi emancipado e Zé de Julião decidiu disputar a primeira eleição para prefeito.

Bastou que essa decisão fosse tomada para que as cinzas do cangaço crepitassem novamente e as perseguições irrompessem com toda voracidade. Ora, um ex-cangaceiro não podia afrontar as forças políticas regionais, segundo diziam as principais lideranças interessadas na administração do novo município. Resoluto, o moço de Poço Redondo não abriu mão de sua pretensão. Então os canhões adversários começaram a abrir fogo.

O candidato das forças políticas regionais era Artur Moreira de Sá, de Porto da Folha. E a primeira estratégia de campanha foi espalhar o boato que Zé de Julião não poderia ser candidato porque era um ex cabra de Lampião, perigoso e malfeitor, um reles bandido, e ninguém podia aceitar um cangaceiro como prefeito. Mas o ex-cangaceiro não se intimidou e enfrentou o candidato do poder. Deu empate: 134 votos para cada candidato. Mais velho, Artur Moreira acabou sendo proclamado vitorioso.

Sentindo-se cada vez mais forte, o poço-redondense resolveu disputar as eleições seguintes. O prefeito já havia se bandeado para as hostes de Leandro Maciel, que havia assumido o poder estadual. E a política leandrista era também conhecida pela implacável perseguição aos inimigos. E Zé de Julião era seu inimigo político. E como chegaria ao poder municipal um ex-cangaceiro, perseguido e inimigo do poder estadual, quando todos sabiam que as mentiras e intimidações se repetiriam? Com efeito, não só se repetiram como foram de imoralidade e desonestidade sem precedentes.

Foi então que Zé de Julião colocou cavalos contra canhões, e estes representados pela força governamental que utilizava todo o aparato existente para derrotar as pretensões dos oponentes. Desse modo, assim que souberam que o ex-cangaceiro disputaria o pleito, logo cuidaram de não entregar os títulos a seus eleitores, além de perpetrarem as maiores vilezas possíveis para barrar de vez seu favoritismo.

Sabendo que não teria qualquer chance de vitória diante da corrupção, da fraude, do suborno e outras infâmias eleitorais, o ex-cangaceiro arregimentou alguns amigos leais e juntos invadiram seções eleitorais na sede e no povoado Bonsucesso. E roubaram as urnas montados em cavalos afoitos e corredores. Era a única forma de mostrar a indignação contra a podridão do poder. E foi assim que os cavalos enfrentaram os canhões.


Nota do Editor: Rangel Alves da Costa é poeta e cronista. Mantém o blog Ser tão / Sertão (blograngel-sertao.blogspot.com).

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