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Opinião
17/11/2013 - 12h10
Era para rir?
Afonso Caramano
 

Vivemos tempos bicudos, por assim dizer. Talvez de sutilezas nada sutis, quando não estão mais para espertezas. E muitas vezes é preciso explicar a piada, mesmo a ironia, quando se está sendo irônico. A fronteira entre o tolerável e o mau gosto parece bem maleável para quem faz do humor uma arma, menos para dizer ou apontar (com o riso) coisas desagradáveis, situações esdrúxulas ou singularidades sociais, e mais para servir a uma suposta ideologia (status quo), na expressão de uma agressividade para com o outro – como no quadro “Baú do baú”, do Fantástico [edição de 3 de novembro de 2013], na sátira do momento histórico da abolição da escravidão no Brasil, justamente no mês da celebração da Consciência Negra – porque se ri da “vítima”, objeto caricaturado, ainda que a “vítima” não ria ou se recuse a fazê-lo, pesando sobre ela também a acusação de não ter senso de humor.

A “viagem” do repórter permite recuperar no tempo presente (sob as ideologias vigentes) o tempo passado, e as falas (nas entrevistas com a princesa Isabel e com o abolicionista Joaquim Nabuco) daí decorrentes numa atualização discursiva, instaurando um quadro caricaturesco político pelo seu conteúdo temático, ainda que não retratando tão somente os sujeitos políticos (Nabuco e princesa Isabel) em traços ridículos para desmoralizá-los, e sim os negros, amalgamados indistintamente nesse pacote discursivo, lembrando que sob a perspectiva discursiva, “a caricatura é um instrumento sócio-histórico apto a interpelar e ‘interpretar’ ideologicamente seu modelo, ridicularizando-o pelo riso” [Siqueri, Marcelo Silvestrin, Caricatura política e a produção de discursos derrisórios – Cuiabá, 2006 – Universidade Federal de Mato Grosso, p.32].

Assim, constrói-se um simulacro do discurso primeiro, constituído sócio-históricamente institucionalizado, no discurso segundo (do humor repleto de sarcasmo, de imagens de uma realidade distorcida), representando o posicionamento ideológico nada isento do dito repórter (caricaturista desse cenário, por assim dizer), atualizando, de modo especular, pois reflete e refrata discursos, ideologias “antagônicas”, ou ao menos visões ideológicas diferentes sobre o país. Aponta-se e aposta-se dessa forma contra a política governamental (diga-se do governo federal) de inclusão social, principalmente em relação ao Bolsa-Família (bolsa-família afrodescendente) e demais programas sociais (transformados em “senzalão da educação” e “minha palhoça, minha vida”). Note-se que o único momento em que um negro tem direito à voz é aquele em que num arroubo do festejo pela libertação toma o microfone do repórter mas para ser capaz de apenas gritar: “É carnaval! É carnaval!”

O ranço escravocrata

Talvez se possa aplicar na análise desse episódio “humorístico” o conceito de derrisão (do latim derisere, que significa “zombar de”) caracterizado no desdém, despeito e menosprezo com o intuito de incitar o riso – riso que se apoia na ridicularização ou no rebaixamento do adversário, do outro, forçando ainda uma cumplicidade entre aqueles que o promovem (ou à derrisão) e aqueles que riem. Isenta-se no próprio humor como defesa contra a ofensa que pratica, supondo, de alguma forma, uma cumplicidade também ideológica. Tendo-se, ainda, que a “principal instância do cômico é a derrisão daqueles que não evoluem, dos que não sabem se mover ao mesmo tempo com a sociedade” [Mercier, 2001, p.15, apud Siqueri, Marcelo Silvestrin, Caricatura política e a produção de discursos derrisórios – Cuiabá, 2006 – Universidade Federal de Mato Grosso, p.35], está a se dizer o lugar que cada um (ou grupo social) deve ocupar na sociedade. Parece que uma suposta “casta” se recusa a aceitar que o Brasil mudou (e para melhor), embora existam e persistam muitas desigualdades.

Antes que se condene o riso ou se aponte algum partidarismo, é bom lembrar que a caricatura (política) e a derrisão são “mecanismos”, formas de se interpelar, principalmente as personalidades políticas, para fazê-las objeto da zombaria pela escolha de detalhes peculiares e pela revelação de seus aspectos ridículos ou desagradáveis – instrumento que pressupõe, contra a ideia de ordem, a de desordem, de contestação ou transgressão, tendo no humor a vontade de desestabilização e fazendo do riso, principalmente contra os líderes políticos, uma prática até saudável (como no caso do chiste, apontado por Freud, uma espécie de rebelião contra a autoridade, uma liberação das pressões sociais) para uma sociedade verdadeiramente livre e democrática.

Não foi o caso, todavia, da peça humorística (para quem?) apresentada por Bruno Mazzeo, no Fantástico – se o alvo eram as políticas sociais do governo federal, portanto uma crítica a uma visão assistencialista em oposição a uma visão mais neoliberal (como se não vivêssemos um neoliberalismo), uma visão individualista, representada por aqueles a quem os conglomerados midiáticos já “representam”, a “vítima”, ou melhor, vítimas, fomos todos que não achamos graça alguma em mais de 300 anos de escravidão e em desigualdades perenes, em violência e injustiças, em mandatários que se apregoam poder absoluto e fazem ouvidos moucos aos apelos sociais por mais igualdade e oportunidades, em revisionismos caricatos e humor inteligentinho ou no renitente ranço escravocrata que permeia nossa sociedade.


Nota do Editor: Afonso Caramano é funcionário público e escritor. Fonte: Observatório da Imprensa (www.observatoriodaimprensa.com.br)

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