Um momento como esse em que se discute o futuro da Universidade é uma oportunidade especial para entendê-la melhor. É o momento de se discutir estrategicamente o que somos e como e para onde queremos ir. A USP é muito diversa e complexa em todos os seus aspectos e geri-la requer conhecimento e a experiência que só vem com o tempo, com aquelas essenciais horas de voo que só se adquirem em um cotidiano de constante busca de equacionamento das múltiplas demandas. A coerência das decisões a serem implementadas só são obtidas com a compreensão da natureza das várias questões e a busca da excelência e da verdade que caracterizam universidades de primeira linha. Nesse momento, o tema financeiro ganha muito destaque. Simultaneamente às novas modificações do Estatuto que a nosso ver serão tratadas com o devido cuidado no começo da próxima gestão, a comunidade uspiana tem demonstrado uma crescente preocupação com a situação financeira da Universidade. Temos notado isso nos debates e nas conversas com as unidades. Esse é um assunto que retorna frequentemente, mesmo quando presente de forma indireta em questões como expansão da USP, inclusão social e mesmo na manutenção da USP como a principal líder do País na área científico-acadêmica do País. Por isso, devemos debater a questão financeira abertamente, sem subterfúgios. A saúde financeira da Universidade interessa a todos os segmentos de nossa comunidade: docentes, funcionários técnico-administrativos e alunos. O primeiro passo para o tratamento adequado da questão financeira é, indubitavelmente, a transparência. A autonomia universitária não é um salvo conduto para se gastar os recursos públicos sem a devida prestação de contas. A comunidade uspiana e a sociedade não só tem de saber claramente como estão sendo utilizadas as suas reservas financeiras, como também participar de decisões estratégicas, que têm de ser feitas em colegiados representativos. Muitas obras em andamento atualmente na USP (e outras mais em estágios de projetos) são necessárias e devem ser continuadas. Questiona-se, porém, por vezes, se não haveria outras obras que mereceriam o mesmo grau de atenção. A priorização de investimentos em um determinado momento pressupõe uma discussão aberta com a comunidade em busca de um equânime equacionamento de suas necessidades coletivas. A Universidade de São Paulo irá gastar, no ano de 2013, cerca de 125% dos recursos que recebe do governo do Estado, avançando, portanto, em suas reservas financeiras acumuladas no passado. Se continuarmos com os gastos nesse ritmo, iremos esgotá-las em curto prazo. Pelo levantamento feito pela ADUSP (Informativo nº 368 de 26/08/2013), nossas reservas eram de cerca de 3,07 bilhões de reais no início do ano (em um orçamento anual da ordem de 4 bilhões) sendo que nesse valor estão incluídos 1,71 bilhões já disponibilizados nas Unidades e que não tenham sido empenhados ainda. Como economista e gestor, estou seguro de que, com seriedade e competência, essa situação de insegurança financeira pode ser revertida, se forem adotados os ajustes de tal forma que nem a expansão nas atividades-fim da Universidade nem as conquistas salariais recentes sejam prejudicadas. Cortes lineares de despesas e outras medidas gerais que não respeitem as peculiaridades locais provocam perdas substanciais, que um ajuste negociado evitaria. Ajustes são necessários e para isso é preciso mais do que voluntarismos e atitudes populistas. A coerência das várias medidas a serem implementadas, o compromisso com os mais altos valores da Universidade e a postura firme são indispensáveis para a segura travessia para a estabilidade. Entendemos que o equilíbrio financeiro também é importante para se garantir o próprio modelo de autonomia financeira. A USP recebe atualmente 5,0295% do ICMS e os utiliza com bastante flexibilidade, e deve prestar contas disso à sociedade, não só na excelente formação de recursos humanos e na produção de divulgação de conhecimentos, mas também com uma gestão financeira de alto nível. A instabilidade financeira e os consequentes riscos de não se honrar compromissos por falta de recursos são incompatíveis com a responsabilidade assumida pela Universidade ao adotar o modelo de autonomia financeira. Estamos ainda longe deste cenário, mas ele não pode ser desconsiderado. Nos últimos anos, a USP tem sido eficiente. No período de 1995 a 2012, observa-se um crescimento de 15,9% no número de docentes e de 11,5% no de funcionários técnicos e administrativos, ao passo que as atividades-fim têm crescido extraordinariamente. Por exemplo, neste período, o crescimento de títulos de graduação foi de 87% os de pós-graduação (mestrado e doutorado) foi de 127%. Outro dado interessante foi o altíssimo crescimento do número de trabalhos indexados no ISI, mais de 400%. Isso mostra uma Universidade mais efetiva em suas atividades-fim e devemos nos concentrar em manter esse nível de eficiência e crescimento. Nesse cenário, além do necessário ajuste nas finanças internas mencionado acima, acreditamos que é importante valorizarmos o CRUESP, não só como um negociador nos períodos de reajustes salariais e em ações pontuais envolvendo as três universidades paulistas. É importante que elas caminhem juntas com visões estratégicas próximas, acadêmica e financeiramente falando. Internamente, e mesmo com os ajustes previstos, acreditamos que as precisas metas de crescimento de todas atividades-fim estabelecidas pelo Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) são factíveis de serem realizadas, e mesmo, em alguns casos, podem e devem ser superadas. É preciso também garantir investimentos em duas direções, sem os quais a Universidade não poderá manter a sua liderança. Por um lado, investir em infraestrutura e novos projetos, garantindo para tais investimentos estruturais ao menos 5% das receitas provenientes do ICMS. Por outro lado, dar continuidade à valorização dos recursos humanos, com novas etapas da carreira dos docentes e dos servidores técnicos e administrativos. Os benefícios vale-alimentação e vale-refeição serão mantidos e atualizados monetariamente. Cabe lembrar também que a Assembleia Legislativa aprovou em 14 de maio de 2012 a criação de 2.655 cargos docentes. Desses, a grande maioria (1.955 cargos) está voltada à reposição de docentes que se aposentarem, enquanto que 400 irão para a expansão de cursos e 300 para novas áreas do conhecimento. Faz parte da gestão estratégica de nossos recursos utilizar responsavelmente esses cargos, que de fato não são muitos, para que a necessária expansão da USP seja coerente com suas metas. Estamos convictos de que é o momento de buscarmos os entendimentos necessários para podermos tratar essa situação financeira com seriedade, competência e sem arroubos populistas. Os ajustes necessários devem ser implementados de forma coerente e firme. Somente o conhecimento acumulado de forma contínua na gestão da universidade e a base técnica proporcionada pela área de economia e finanças podem assegurar uma trajetória tranquila, sem saltos bruscos, e que garantam a estabilidade necessária para os avanços acadêmicos em todas as suas dimensões. Mais do que nunca, devemos investir no entendimento e no bem maior que nos define como Universidade, nossa capacidade de reflexão e de busca de entendimentos, priorizando soluções que respeitem nossas saudáveis divergências e estimulem a excelência acadêmica. Nota do Editor: Hélio Nogueira da Cruz, professor titular (1989) da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA).
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