Mário Covas escandalizou a esquerda, especialmente o PT, ao vociferar que o Brasil precisava de um choque de capitalismo. Trata-se de uma verdade ainda não resgatada. O governo militar, por vinte anos, foi intervencionista na política, nas liberdades e na economia. Inúmeras de suas instituições, com reparos, são mantidas até hoje, no campo tributário, fiscal, trabalhista etc. A Constituição de 1988, como, de resto, todas as Constituições, não suprimem, de um jato, o cipoal de leis infraconstitucionais, muitas delas incompatíveis com o novo regime; elas continuam a viger, até que o STF venha a declará-las não recebidas pela nova ordem, por incompatibilidade, como se viu da lei de imprensa. E um pronunciamento do STF, nos últimos tempos, tem a raridade de um diamante. Destarte, um número imenso de garatujas, complementares à Constituição, ordinárias, e seu séquito de ordenações administrativas, continuam a oprimir a livre iniciativa, no embalo de um governo que aprecia o máximo possível de intervenção estatal, sem considerar os exemplos dados pelo mundo. O resultado é nossa economia industrial submetida à insegurança jurídica, tíbia, que cresce o pouco que os pibinhos revelam; os empresários têm de dar valor maior às assessorias financeiras e jurídicas que ao produto de seus talentos, sob pena de dar com os burros n’água. As pequenas e médias empresas, em grande parte, têm vida curta, precisamente em razão das intervenções estatais constantes, que se apresentam como dias ensolarados e outros borrascosos. A política de intervenção estatal brutal na economia brasileira têm sido alvo de posturas críticas justas dos agentes econômicos internacionais, desde as corporações privadas até instituições oficiais como o FMI. A razão é muito simples de compreender: como alocar riqueza num país em que as regras do jogo podem mudar constantemente e onde as lesões jurídicas ficam a cargo de um judiciário lento como um animal rastejante? Sob tal panorama, o Brasil, mantidos esses princípios, sem uma mudança política e filosófica profunda, com ou sem petróleo e outros supostos milagres, continuará em seu labirinto secular. O caminho, como todos sabem, é o das propaladas e sempre adiadas reformas. E um primeiro passo seria o Congresso Nacional revogar todas as leis obsoletas, que, todavia, estão vigentes, só restando aos protagonistas da iniciativa privada recorrer a decenais demandas judiciárias para superar questões que não deveriam existir. Esse é o sentido de um choque de capitalismo. Permitir-se a fluência livre da economia, restringindo-se as restrições ao inegavelmente ilícito. Evitando-se ao máximo a interferência do Estado no campo das livres contratações. E criando-se normatização administrativa e tributária estável, dentro das quais os projetos possam ser edificados e executados sem surpresas e livres das garras de uma burocracia pedestre. Até mesmo àqueles que ainda se agarram ao marxismo essas considerações são válidas. Afinal, em seu materialismo ou determinismo histórico, Karl Marx não fincou uma suposta evolução do escravagismo, do feudalismo, do capitalismo e do socialismo? Se esta última fase feneceu, nos exemplos da extinta União Soviética e da China, entre outros, é uma outra discussão, a ser travada nos ambientes acadêmicos. Nota do Editor: Amadeu Roberto Garrido de Paula é advogado.
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