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SEÇÃO
Crônicas
23/11/2013 - 15h04
Coisa do outro mundo
Rangel Alves da Costa
 

É até difícil de acreditar, mas aconteceu de verdade. Sei que nenhuma valia darão ao que vou contar, mas preciso descrever o acontecido, sob pena de ter que guardar sozinho essa espantosa e medonha coisa do outro mundo.

Aconteceu assim. Encontrei um amigo pelas andanças da vida, já quase chegando o entardecer, e após os cumprimentos corriqueiros começamos a falar sobre os tempos idos e outros tempos. Conversa boa, animada, mas de repente ele apontou para alguém dobrando uma esquina e disse:

“Está vendo aquele ali. Morreu tem pouco mais de uma semana, mas todo dia levanta do túmulo e vem esperar a passagem daquela que era sua paixão. Ela não correspondeu seus amores, então o pobre desiludido se findou com uma corda amarrada no pescoço. Passa a noite inteira chorando dentro do túmulo”.

Logo imaginei que o amigo - brincalhão como sempre se mostrava - estava aprontando mais uma das suas. Mas não demorou muito e ele falou-me quase ao ouvido, bem baixinho:

“Escute, mas não olhe agora não. Aquele ali debaixo do pé de pau morreu de morte matada. Era cabra ruim e perigoso demais, uma verdadeira fera em vida, mas até que encontrou a medida de seu sapato. Quis judiar de um zé-ninguém e recebeu um balaço por cima das fuças. Todo dia levanta da cova e vem em direção à igreja. Mas só chega até ali porque ainda não lhe foi permitido entrar num templo santo. E precisa entrar na igreja pra pedir perdão pelos pecados cometidos na terra porque nos próximos dias vai passar pelo teste do fogo. Por isso que fica ali desesperado, tentando a todo custo seguir adiante, mas sem conseguir. Chora e lamenta feito um desgraçado, como desgraçado sempre foi, até depois da morte”.

A essa altura eu já estava desconfiado demais com tais revelações. O homem só falava que estava avistando gente morta, que sabia como havia morrido, o que fazia no cemitério e tudo de mais aterrador. Já ia dar uma basta nessa conversa e perguntar se estava maluco, mas ele entrecortou minhas palavras para dizer:

“Um belo casal aquele ali. Uma pena que os dois já morreram e não faz muito tempo. Ouviu falar no casal que as paredes do casarão caíram por cima do carro e teve morte instantânea? Pois foi aquele ali. Digo casal, porém ainda eram noivos quando a tragédia aconteceu. Mas já casaram no cemitério e eles agora vivem praticamente no mesmo túmulo. Todo dia levantam do jazigo sempre florido e vêm buscar flores no jardim ali diante. Pode olhar. Eles chegam, colhem duas rosas e voltam de mãos dadas ao cemitério”.

Ora, não suportava mais ouvir esse tipo de conversa de jeito nenhum. Por mais que ele fosse meu amigo e que eu estivesse contente por tê-lo reencontrado depois de tanto tempo, não conseguia mais ficar ouvindo coisas de morte, de morto, de cemitério e de vida depois da vida. Tomei coragem e disse-lhe:

“Desculpe meu amigo, mas acho que você deve estar com algum problema. Não pode ser normal numa pessoa estar reconhecendo mortos, dizendo quem já morreu. E o pior é que, pelo jeito, todo mundo que passa por aqui já morreu...”.

E tive interrompidas minhas palavras para ouvir, agora mais assustado do que tudo na vida:

“Sim, você tem razão. E tem razão até quando diz que parece que todo mundo que passa já morreu. Todo mundo já morreu mesmo, até eu. Aquele ali, aquele outro, tudo mundo já morreu. E eu morri já faz mais de dois anos. Mas todo dia vinha aqui para poder lhe encontrar e dizer uma coisa. E agora que o encontrei tenho de revelar. Você também já...”.

Nem esperei o fim da frase e saí correndo. Mas ainda consegui ouvir o teor das palavras, pois ele repetiu tudo quase num grito:

“Você também já foi escolhido para saber que os mortos também vivem entre os vivos como pessoas comuns”.


Nota do Editor: Rangel Alves da Costa é poeta e cronista. Mantém o blog Ser tão / Sertão (blograngel-sertao.blogspot.com).

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