A fuga de capitais é assunto que ainda não mereceu uma reflexão mais profunda, principalmente por parte da esquerda brasileira, sempre afoita, como sói acontecer, quando se fala de fuga (vide Gabeira, Fernando, "O Que é Isso, Companheiro?", Codecri, RJ, 1979, p. 69) e, principalmente, de capitais (vide Marx, Karl, "Das Kapital", Berlinerverlag, 1921, pp. 1848 et alter). Antes de mais nada, a fuga de capitais, ao contrário do que possa parecer, é benéfica em diversos sentidos. Se houvesse entre nós maior fuga de capitais, boa parte das metrópoles teria o trânsito desafogado. Sobraria mais espaço para estacionar, mais vagas nas escolas, mais apartamentos disponíveis. Mais espaço para a gente andar na rua sozinho e poder soltar pum alto e bom som. Eu mesmo penso na fuga de capitais toda vez que estou preso no trânsito ou num elevador lotado, e olha que isso acontece um dia sim e outro também. É nessas horas que me lembro, com uma inveja benéfica, de um grande amigo italiano que fugiu da capital paulistana para Paris, onde desfruta hoje de toda a irresponsabilidade que só a profissão de jornalista pode propiciar, no caso dele irrigada ainda por um régio salário de banqueiro. Embora tenha passado despercebido a diversas gerações de economistas, no Brasil foram justamente os moradores da periferia, como sempre na vanguarda do proletariado, os primeiros a se beneficiar da fuga de capitais. Premida pela expansão do tecido social e urbano, a malta ignara deslocou-se a partir dos anos 1970 literalmente para a casa do baralho. Foram se homiziar lá na Baixa da Égua, lá onde, com todo o respeito, o vento faz a curva e encosta o lixo. E foi lá que puderam se dedicar à iniciativa privada. Abandonaram a vil condição de assalariados para se estabelecer como donos de bocas de fumo, receptadores, proprietários de desmanche e outras profissões de destaque neste início de milênio. Em suma, meu caro Giancarlo: somente com a fuga de capitais o Brasil vai tomar jeito. E, já que é assim, fica uma sugestão às autoridades: darem elas próprias o exemplo. O primeiro a fugir da capital paulistana deveria ser o alcaide José Serra, que poderia despachar com todo o conforto de seu sítio em Ibiúna, de onde aliás jamais deveria ter saído. César Maia, o todo-poderoso gerador de factóides do Balneário, poderia fazer o mesmo e se refugiar em Campos, nos poupando assim de sua publicidade gratuita - gratuita para quem, cara-pálida? - na TV. Idem o babalorixá Antônio Carlos Magalhães, que, saindo da Baía de Todos os Santos e navegando toda a vida rumo ao Oriente, acabaria por atingir a costa ocidental do Continente Negro e ali continuar a exercer seu poder ilimitado de soba de Tchipinda. Podem apostar: em pouco tempo, com a ausência dessas figuras de escol, o fluxo de capitais no Brasil melhoraria sobremaneira. Nota do Editor: Fernando Paiva, 48, é catedrático em Economia Doméstica e Educação Artística nas FARSC - Faculdades Reunidas da Serra da Canastra, MG.
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