I Me diz: quando é que eu ia imaginar topar contigo em Berlim, se na minha cabeça aquele você de ontem, com gosto amanhecido de cerveja e de preguiça, ainda estava lá onde havia te deixado, montando cavalo de carrossel e de aparelho nos dentes? Como é que pode me aparecer assim, sem me dar chance de aparar a barba, re-nata de sítio extinto? II Meio fêmea-fúria, meio mulher-nirvana, contigo no carro roubado. A cada troca de marcha a minha mão roçando o vestido, do joelho para a coxa. Sentia que te levava às nuvens que inexistiam no céu daquele dia, doida varrida envolta em pouca vergonha. À falta de boas moitas, ia no acostamento mesmo, o sol sem pena fervendo a lata. A carne exposta. O almíscar vencido. III Brincou comigo, te encontrar tão fora de contexto. Alta, linda, senhora da vida. Sem lembrança nenhuma da mão boba do câmbio e dos cavalos do parque. Agora, os dois defronte, querendo se livrar da falta do que dizer. E o teu quase sorriso, de esquálido protocolo, feria o meu desajeito. Estátuas em Alexanderplatz.
Nota do Editor: Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário em Campinas (SP), beatlemaníaco empedernido e adora livros e filmes que tratem sobre viagens no tempo. É colaborador do jornal O Municipio, de São João da Boa Vista, e tem coluna em diversas revistas eletrônicas.
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