Não é exagero de expressão. Revolução não é insurgência, violência contra as instituições assentadas. Tampouco é destruição de tudo para construção do inverso, do antípoda. É uma redifinição de valores, em busca de um novo caminho de evolução. E foi exatamente isso o que constou da primeira exortação de Francisco, na terça-feira passada, num documento sem a solenidade de uma encíclica, mas talvez mais importante por sua inteligência profunda e compromissada com a vida feliz, que é o fim do homem de nossos dias. A começar do título: “Evangeli Gaudium” (“A Alegria do Evangelho”). Um documento que propõe mudanças de valores, na Igreja e até mesmo na prática de seus irmãos franciscanos, como se vê de comentário feito por editorial do jornal O Estado de São Paulo. A tradicional filosofia dos franciscanos é manifestada, a procura dos desvalidos, mas com a consideração de novos ambientes sócio-culturais e mediante o emprego de novos procedimentos, “métodos criativos, outras formas de expressão, sinais mais eloquentes, palavras cheias de renovado significado para o mundo atual”. Não esqueceu sequer dos desafios ambientais. Propõe que a Igreja “sinta o cheiro das ovelhas” (a lembrança de uma infeliz confissão de um general que comandou o Brasil é inevitável), é dizer, que desde as paróquias até o Vaticano haja uma imersão no barro das periferias do mundo. Registrou as “novas formas de pobreza e fragilidade”, como “os dependentes das drogas, os idosos e refugiados”. Criticou a “economia de exclusão”, a “idolatria do dinheiro” e a “tirania invisível dos mercados”. Neste último passo, Francisco parece ter lembrado a inoperância da “invisible hand” de Smith, mas é preciso não esquecer que o grande economista inglês jamais disse que essa mão invisível era capaz de criar um mundo sem pobres; muito ao contrário, o pai do liberalismo moderno sempre admitiu a trágica realidade dos despossuídos e propôs que o enfrentamento da miséria fosse o ponto principal de seu Estado mínimo. Ao longo da maior parte da história, o Estado deixou a cargo da Igreja o combate à miséria, e esta, sobretudo, aos franciscanos. Muito pouco se fez, porquanto o simples ou simplório assistencialismo é somente um modo de manter o “status quo”, não de transformá-lo. Tudo continua como dantes e o governo brasileiro de hoje parece concordar com essa política imemorial, embora acredite que o assistencialismo começou com ele. Justiça distributiva é coisa bem diferente, é reconhecimento de direitos e não prestação de favores, a cargo do Estado e não da Igreja, que pode prestar uma colaboração subsidiária. O homem deve ser tratado como homem, por sua dignidade natural e não sob a demonstração de seus méritos, não raro sem oportunidades, sem espaços públicos e privados para fazê-lo, como se verifica do número, na casa dos milhões, deplorável da atual geração de jovens “nem-nem” (que não trabalham e não estudam). O papa Francisco demonstrou ter plena consciência disso, ao dizer que o mais importante é a abertura das portas, é dizer, a tal criação de condições para pescar. Uma mudança e tanto na concepção da Igreja, que ele conclui com a proposta de um diálogo diuturno com esse povão de Deus. O pontífice que amassava o barro das periferias de Buenos Aires talvez deixe a marca mais significativa na história da Igreja em todos os tempos. Nota do Editor: Amadeu Roberto Garrido de Paula é advogado.
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