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Opinião
06/12/2013 - 11h00
O Brasil irracional
Amadeu Garrido de Paula
 

Foi necessário o encarceramento dos mensaleiros e de homens públicos situados na cimeira da política brasileira, como José Dirceu e José Genoino, para que viesse à tona o vetusto problema de nosso sistema carcerário, cujas condições são ofensivas aos mais elementares direitos humanos.

Antes de tudo, é preciso dominar a noção de que o homem, ainda que tenha praticado um delito, não deixa de ser um homem, um ser racional e não perde sua circunstância de pessoa merecedora de respeito por sua dignidade essencial. Todas as pessoas, doutrinou Kant, num dos elementos mais célebres de sua “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”, todo ser humano, em verdade todo ser racional, “Existe como um fim em si mesmo e não somente como um meio.” (G 428) e deve ser assim considerado no âmbito das deliberações de todo outro ser racional. Todo ser humano tem “um valor absoluto” (G 428, 435) e, por essa razão, um valor igual.

Dessa doutrina do grande pensador de Konigsberg emerge o reconhecimento de que o encarceramento de uma pessoa não a faz perder sua razão, não a torna um mero esqueleto humano irracional, não a faz relativa em relação aos outros, não prejudica seu predicado de valor absoluto e seu potencial de realizar virtudes que podem promover o bem aos grupos sociais de todas as partes do mundo.

Ora, tais considerações são absolutamente incompatíveis com as sórdidas condições de vida e sobrevivência que permeiam nossos estabelecimentos penais, de norte a sul do país. Cadeias ocupadas muito além de sua capacidade de abrigar os reclusos, que se amontoam, como rebotalhos andrajosos, e não raro têm de permanecer eretos por falta de espaço onde acomodar seus corpos. Sucumbência total da dignidade humana. Aquele potencial de virtude que sempre remanesce nos seres racionais converte-se de maneira implacável e dolorosa numa revolta profunda e numa vontade irrefreável e animalesca de vingança contra a sociedade perversa. Tudo porque esse contingente se tornou um simples meio aos olhos de seus semelhantes, algo coisificado e instrumentalizado que deve permanecer à distância dos homens bons, corretos e virtuosos.

Nos limites deste artigo é impossível descrever a imensidade de agravos à honra e à dignidade dos prisioneiros do Brasil. Inobstante a Constituição garanta um mínimo de bem-estar, por exemplo com assistência médica e psicológica, tudo permanece no reino do onírico normativo; as doenças e mortes acontecem na casa de centenas de milhares nesses sítios sórdidos. Nem mesmo há correta fiscalização do cumprimento das penas, de modo que muitos permanecem sob seus efeitos muito tempo depois do prazo fixado pelo juiz na dosimetria da reprimenda.

Nossos compatriotas, amiúde, objurgam o país de impunidade. Com razão, face ao índice de criminalidade, provavelmente o maior do mundo. Todavia, as soluções propostas implicam simplesmente no agravamento das condições descritas, incluindo-se a instituição da pena de morte. O que não se percebe é que a punição irracional, exacerbada e degenerativa do ser humano, converte-se em mais impunidade, porquanto, ao retornar à sociedade, o homem desconfigurado, como antes afirmado, dá vazão, como disse o denunciante do mensalão, a seus instintos mais animalescos.

O aspecto político insuportável está em que, superado o momento ditatorial, esperava-se dos protagonistas da democracia medidas fundamentais do novo regime. A Constituição de 1988 é nomeada solenemente de “constituição cidadã”, como a ela se referiu o Dr. Ulysses, mas o Brasil, em vários de seus pontos institucionais, continuou tristemente esburacado. Décadas de governo democrático foram insuficientes para o enfrentamento civilizado desse problema. Uma boa parte sob o comando do Partido dos Trabalhadores, que hoje amarga o preço de sua absoluta incúria e desprezo pelos condenados comuns. De imediato, para seus companheiros já se acertam privilégios, o que é simplesmente repugnante. Quiçá – sempre mantemos a esperança – uma experiência dolorida sirva para a percepção de uma patologia epidêmica – que, todavia, só atingia aldeias toscas, pobres e distantes do principado.


Nota do Editor: Amadeu Roberto Garrido de Paula é advogado.

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