Agora, neste exato momento, o segundo avança e o tempo já não é mais aquele de um segundo atrás. Eis o calendário de tudo, um grão, poeira e pó na mais voraz ventania. Eis que agora tanto e tudo acontece. O tempo não para, já disse o poeta. E acontece, e corre, e não se cansa de acontecer. Basta o instante da letra e algo acontecendo, e agora já acontecido. Muita coisa aconteceu no tempo da escrita do parágrafo acima. Eis que os acontecimentos inesperados não surgem com hora marcada. Também a normalidade da vida é feita numa sequência de instantâneos. Não importa o que já passou no segundo atrás. Por mais que o imaginário se ponha a presumir, ainda assim jamais alcançará um centésimo daquilo já ocorrido. Talvez restem as consequências, mas já passado, ainda que há um segundo. Três agora. O que importa é o agora, o momento presente, o já. Sim, este instante do teclado, do pensamento, da escrita. Sim, neste exato momento o inimaginável ocorre nas proximidades ou na mais longínqua das distâncias. Aqui uma coisa, ali outra, mais adiante uma bem diferente, mas tudo ocorrendo, acontecendo. Nada estático, parado, esperando o instante seguinte. Tudo apressado, avançando, rompendo o momento. Sendo. Eis que a morte pode ensaiar seu instante a vida inteira; uma enfermidade se prolongar pelo corpo; a fraqueza ir se acumulando dia após dia; o sopro de vida se tornando cada vez mais a brisa em viagem. Porém há um instante fatal. Único. Eis que a vida humana caminha em percurso desde a concepção. A semente no útero, a gestação, o desenvolvimento até o nascimento. Já há vida, já há pulsação, já há um ser humano, mas falta nascer, vir ao mundo. E haverá um instante que o choro será ouvido. Eis que daí em diante, na normalidade das coisas, há um período de infância, de adolescência, de maturidade e de velhice. Ou de outra criancice. Mas cada passo nessa estrada não está representado nem pelo tempo no relógio ou do calendário ou pelos dias vividos, e sim no pulsar da própria existência. O ser humano vive, mesmo imperceptivelmente, em constante mutação, agindo e se transformando. O pensamento, a ação, o passo, o fazer, tudo faz parte de um processo que no todo se chama vida. Daí a importância do instante de tudo, do tocar, do olhar, do perceber, do agir. Tudo muda, mas a partir do instante. E tudo não passa de uma conjunção de instantes. O todo, porém, depende da ação num determinado instante, quando tudo poderá passar a ter outro norteamento. O que haveria de ser, de repente já não mais será. Que ninguém duvide: o instante é decisivo em tudo; é o momento primordial. Ele não só se perfaz no seu próprio instante, como permite o instante seguinte. Não há, pois, garantia de momento posterior, vez que tantas vezes ocorrer ser o último da existência. Daí a importância deste momento, do já, do agora. Neste instante escrevo, firmo esta palavra. Neste momento a lua daqui está escondida noutro lugar; a noite ensolarada de agora talvez esteja chuvosa noutro local; tanto calor aqui e tanto frio ali; há alguém acordando e outros querendo adormecer. Sim, alguém nascendo agora; alguém morrendo agora. Agora também, no exato instante, um choro de criança e um choro de dolorosa despedida; o instante de um gatilho apertado, de um cometa se despedaçando, de uma onda batendo na pedra do cais. Alguém diz sim, alguém diz não; uma mão sobe aos olhos para limpar a lágrima, um sorriso numa boca. O instante do beijo. Pessoas estão se beijando agora. E tantos lábios ressequidos de solidão. Eis o instante. Aqui uma saudade. E em você? Nota do Editor: Rangel Alves da Costa é poeta e cronista. Mantém o blog Ser tão / Sertão (blograngel-sertao.blogspot.com).
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