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Crônicas
04/01/2014 - 13h11
As águas de São Bernardo
Mayron Régis
 

Difícil arrancar algo dela, um sorriso que seja. Ela pouco falava de si. Pretendia se formar em jornalismo pela universidade pública. A sua região era desprovida de ensino público de terceiro grau. Ela mudou-se para a capital a fim de morar com a tia, irmã de seu pai. As duas se assemelhavam. A sua tia nunca abandonara o povoado onde nascera e nem o povoado a abandonara. Preferia o peixe da água doce, pescado nas águas do rio Parnaíba, ao peixe da água salgada, pescado no oceano.

A família enviava vários quilos durante o mês para ela matar as saudades de Magalhães de Almeida. Mede-se a distância entre São Luis e Magalhães de Almeida em mais de quatrocentos quilômetros. A saudade se mede pelos peixes e pelos parentes que chegam. As pessoas se deslocam quilômetros com muitos propósitos, uns bem claros e outros bem obscuros, “a obscuridade do instante vivido” (Ernst Bloch), e um desses propósitos é descobrir parte de sua existência ou fazer com que ela adquira outra coloração.

Um pouco depois de desembarcar na casa da sua tia, alguém pediu que ela escrevesse a respeito de sua cidade. A menina se mantinha soturna. A escrita talvez conseguisse trazê-la para mais perto. A cidade grande exige que você seja esperto para sobreviver. Ela viu no pedido algo extraordinário que não fazia parte de sua natureza contemplativa. As cidades pequenas foram criadas para a contemplação. Dava para afirmar que ela era a própria cidade de São Bernardo. Distante, calada, familiar. Contando com a boa sorte, ela rememorou os povoados onde presenciara igarapés de grande e intenso volume de água.

Por muitas vezes, ela se banhou no povoado São Raimundo. A nascente desse banho firma-se na Chapada de propriedade do Junior Esperança. Ele impede a retirada de madeira. Caso consentisse com a retirada, isso danificaria gravemente a Chapada porque nela se acentuam os bacurizeiros. A área do Junior Esperança se confronta com as áreas de São Miguel, da Baixa Grande e do Cajueiro. Os problemas que essas comunidades enfrentam com relação à água se agravaram nos últimos anos com a diminuição na quantidade de chuva que caía no leste maranhense.

Houve em algum momento floresta em São Bernardo, mas hoje, com os desmatamentos para a produção de carvão vegetal em determinadas épocas por parte da Margusa e os desmatamentos ocasionados pelas atividades agrícolas de pequenos, médios e grandes proprietários, o que prevalece são árvores de pequeno e médio porte. Algo conspirou para que o município de São Bernardo não sofresse com o ciclo econômico da soja como outros municípios do Baixo Parnaíba sofreram.

As comunidades sabiam o que lhes aguardava caso a soja entrasse como entrou em Brejo, Anapurus, Buriti e Magalhães de Almeida. Os conflitos das comunidades com a Margusa na região da Baixa Grande permaneciam frescos na memória de muita gente. Gilvan Alves, vereador por dois mandatos, aprovou projeto de lei que impedia o desmatamento, a produção de carvão e o plantio de monoculturas. As empresas preferem agir através de intermediários para não atrair atenção e resistência.

A comunidade de Cajueiro segurou uma barra muito pesada nos anos de 2005 e 2006. De repente, uma turma (políticos, grileiros e gente da própria comunidade) chegou para abiscoitar a Chapada. O presidente da associação de Cajueiro, o senhor Francisco, recupera os dias em que com o dinheiro contado viajava para São Luis e reunia-se com os funcionários do Iterma. Essa sua força de vontade resultou na criação do assentamento.

Segundo o senhor Francisco, os moradores preservam 85% da área total do assentamento. Eles apresentam um alto nível de organização social e de organização na produção e essa organização se mostrou mais firme no dia em que a Suzano propôs arrendar os 900 hectares para plantar eucalipto. A empresa engatilhara a compra da área do Junior Esperança e ansiava pela autorização do desmatamento de 15 mil hectares do Enxu na fronteira com Santa Quitéria. A comunidade recusou a proposta, a compra da propriedade do Junior esperança não teve êxito e o projeto da Suzano fracassou por completo na região do Baixo Parnaíba maranhense.

O que pega para Cajueiro assim como para São Miguel, Baixa Grande, Alto Bonito e São Benedito, povoados de São Bernardo, são os desmatamentos na beira dos afluentes do rio Buriti que cortam as comunidades.


Nota do Editor: Mayron Régis, colaborador do EcoDebate, é jornalista e assessor do Fórum Carajás e atua no Programa Territórios Livres do Baixo Parnaíba (Fórum Carajás, SMDH, CCN e FDBPM). Crônica originalmente publicada no blogue Territórios Livres do Baixo Parnaíba. Fonte: Portal EcoDebate (www.ecodebate.com.br)

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