Vou acabar entrando também nessa onda, uma vez que virou a festa do lupanar sem dar. A modinha do momento. Uma desculpinha. Tomaram, e muito. Beberam até cair, inclusive vinhos de alguns milhares de reais. Agora, ao invés de devolverem, não! Fazem vaquinha com nome bonito para esquentar dinheiro. Mais: tucanaram a vaquinha. Tucanaram a pobre da vaquinha. É mesmo, qualquer coisa que cai na mão dessa gente ganha novos ares, e nem sempre eles são respiráveis Assim, aproveitando a proximidade das festas carnavalescas, da alegria desmedida e bêbada onde nada tem dono, venho por meio desta verificar se é possível eu também obter alguma ajuda. Sim, ajuda, financeira, bufunfa, dinheirinho, colaboração, troco. Justificativas: ando precisando comprar umas coisinhas, me comportei e me comporto bem, não sou Papuda. Como observei a facilidade para a obtenção de quase um milhão de reais para o genuíno dilúvio, penso que o que eu preciso pode ser mais simples. Prometo prestar contas. E como a vaquinha, a nossa, tradicional, aquela que a gente junta uns dinheirinhos amassadinhos de uns e de outros para commprar u negocio qualquer, ganhou melhor status e nome - crowdfunding, acho chique. Pensei em aderir. Mas não posso dar. Então, estendo minha mãozinha. Primeiro preciso contar para o que preciso da vil moeda: meu computador de casa arreganhou-se. Começo a escreverr ua coisa e em segundos há outra coisa escrita na tela, ininteligível, já que as letras pululam mais desordenadas do que a rapaziada fugindo das balas de borracha e smprys em dias de manifestação. Uma letra não encontra a outra, our ua empurra e acaba criando palavras dignas de serrditas em línguas eslavas, daquelas que seria preciso jogar de u avião avcarregamento de vogais para significar alguma coisa. Preciso compprar u computador novo, bom. Não, notebooks nunca mais, que esse já é o quarto ourquinto que vai pro brejo junto com a vaca, pastando. Quero avfirme, sólido, de mesa, potente...Tá, tá bom, já que é desejo, sim, eu quero avIMac de última geração. Até porque como agora não tenho mais espaço para nada ele é o mais compacto, e vem com aquela tela linda, enorme, onde adoraria verro que escrevo para você, querido leitor. Bem, talvez agora eu até já esteja mesmo bajulando você, mas saiba que tudo é pela minha vaquinha. Todo mundo não fazvcara de bom, de inocente? Não teve ministrordizendo por aí que a gente é ingrato porque foi às ruas se manifestar quando eles são tão bons para nós? Pois, então, eles são tão bons que estamos falindo. Não posso comppraro tal computador - avinstrumento de trabalho importantíssimo - não é por nada. Mas é que tenho muitas contas e impostos e taxas a pagar, mês a mês. E lendo o noticiário sobre a facilidade do dinheiro chegando nas mãos dos caras, sem quererrnotei que - puxa! - estourenganada! Alguém aí deve ter muito sobrando, porque se dão para os tais caras que estão puxando cadeia por corrupção, colaborariam para minha nobre causa. Também sou guerrilheira pela liberdade, patatipatatá, injustiçada pela sociedade. Estava aqui pensando e escrevendo. Aliás, passo os dias fazendo isso, lendo, pensando, escrevendo. Nas horas vagas, além das lides domésticas, devendo; pensando em como pagar tanta coisa mês a mês, como imagino grande parte de meus pares nesta folia. Todo mundo que conheço está devendo, nem que seja alguma explicação. Já pensava nisso quando soube que internautas estavam organizando uma vaquinha - expressão que em menos de u mês virou é carne de vaca - para ajudaaro dono de u fusca queimado na manifestação contra a Copa, em São Paulo. Aquele pobre coitado, na hora errada, no lugar errado, e que podia ter morrido queimado com toda a sua família, n u mal explicado acidente com u colchão. Afinal, o carro pegou fogo porque passou no colchão queimando ou o colchão queimando tentourpegar carona no carro? Ou: o que fazia u colchão queimando em pleno centro da cidade? Participava da manifestação? Depois todo mundo vira anjinho. Não fui eu. Foi ele. A sequência de atos que culminourcom o menino baleado por três policiais foi totalmente mal explicada. Dos dois lados, antes que venham me descer o cacete, que agora está assim. Você não pode mais ter opinião própria- tem de agir junto com a manada. Coincidência: de vacas. Não é meu caso. Meu curral sou eu queu faço. Enfim, certa de que meu apelo surtirá efeito, prometo: assim que tiver meu computador novo continuarei a escrever, escrever, escrever. Respondo até aos emails de fim de semana, que agora está impossível de fazer, a não ser laconicamente. Se você aí é meu leitor vai me ajudaa, se puder. Se não, saiba, tudo bem também. Não tenho medo de trabalho, nem de por a mão na massa. Uma hora ou outra conseguirei comprar o que quero, além de pagar as contas do dia a dia. Senão vou ter que ficar fazendo o quê? Brincando de vaca amarela. Lembra? ...“Vaca amarela pulou a janela / Fez cocô na panela / Mexeu, mexeu, mexeu / Queu falar primeiro come todo o cocô dela / Um, dois, três, cala a boca japonês / Chinês, fecha os olhos de ua vez”... São Paulo, estranhamente tensa e quente. Nota da Autora: Marli Gonçalves é jornalista – Não sei se já contei, mas antes, quando podia viajaa, adorava fotografar vacas. Sempre as achei muito expressivas. Só agora descobri que eram melhores que os porquinhos para daa dinheiro.
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